Da pandemia emergiu o languishing, termo para denominar um sentimento persistente de apatia, desânimo e falta de motivação
Não é tristeza, não é cansaço, não é depressão… É mais um desânimo, uma desmotivação, a sensação de carregar um peso invisível e constante, um coração apertado, respiração difícil e uma alma vazia em um corpo que luta para se reencontrar, que há muito tempo não se vê, não se sente… É doído.
Esses sentimentos e sensações definem o languishing, definhando, o mais novo transtorno da saúde mental aflorado com a instalação da pandemia, em 2020.Em alguns momentos da vida, todos lutamos contra a desmotivação, mas o que preocupa é quando ela se instala, quando a apatia toma conta do dia a dia e perde-se força e energia para se mobilizar por algo e por si mesmo, muitas vezes nem sequer tendo noção do que está vivendo, já que, aparentemente, tudo está bem com a saúde física/clínica, há trabalho, alimentação correta, casa, segurança, boletos em dia. É um adoecimento novo e, por isso, ainda há dificuldade para identificar esse fenômeno psicológico.
Uma parcela da população mundial já lida com as consequências da apatia persistente, marcada, substancialmente, pela sensação de vazio que determina o languishing. Sensação que não passa, perdura dia após dia. É como se a pessoa estivesse no limbo, num estado de indecisão, incerteza, indefinição e nada a movesse para sair desse lugar. É viver o desalento e o desamparo.
O termo foi cunhado pelo psicólogo e sociólogo americano Corey Keyes, que ficou impressionado com o fato de que muitas pessoas que não estavam deprimidas também não estavam prosperando.
Na pesquisa que conduziu, ele constatou que as pessoas com maior probabilidade de sofrer grandes transtornos de depressão e ansiedade na próxima década não são as que apresentam esses sintomas hoje, mas aquelas que estão definhando agora.
Adam Grant, psicólogo organizacional da Wharton, escreveu a respeito na versão digital do The New York Times e afirmou: “Na psicologia, pensamos em saúde mental em um espectro que vai da depressão ao florescimento. O florescimento é o pico do bem-estar: você tem um forte senso de significado, domínio e importância para os outros. A depressão é o vale do mal-estar: você se sente desanimado, esgotado e sem valor. O definhamento é o filho do meio negligenciado da saúde mental. É o vazio entre a depressão e o florescimento – a ausência de bem-estar. Você não tem sintomas de doença mental, mas também não é a imagem da saúde mental. Você não está funcionando em plena capacidade. O definhamento entorpece sua motivação, interrompe sua capacidade de se concentrar e triplica as chances de você reduzir o trabalho. Parece ser mais comum do que a depressão maior – e, de certa forma, pode ser um fator de risco maior para doenças mentais.”O languishing é como se entorpecesse a pessoa de qualquer motivação, propósito, foco. E não o confunda com esgotamento ou falta de esperança, as pessoas ainda têm energia, mas se sentem sem alegria, sem objetivo, estagnadas e essas emoções as dominam.
Como tratar, curar, reverter e lutar diante das consequências emocionais e mentais que a pandemia desencadeou, que tendem a perdurar e não podem ser negligenciadas, postas debaixo do tapete, menosprezadas ou apontadas como mimimi?
Respostas buscadas de especialistas ao longo desta reportagem. Para Adam Grant, o definhamento não está apenas em nossas cabeças – está em nossas circunstâncias. Você não pode curar uma cultura doente com bandagens pessoais.
“Ainda vivemos em um mundo que normaliza os desafios da saúde física, mas estigmatiza os desafios da saúde mental. À medida que nos aproximamos de uma nova realidade pós-pandemia, é hora de repensar nossa compreensão de saúde mental e bem-estar. ‘Não deprimido’ não significa que você não está lutando. ‘Não triste’ não significa que você está empolgado. Ao reconhecer que muitos de nós estão definhando, podemos começar a dar voz ao desespero silencioso e iluminar um caminho para sair do vazio.”
Christiane Ribeiro, médica psiquiatra, doutoranda em medicina molecular pela UFMG e membro da Comissão de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria, alerta que, antes de mais nada, quem percebe a instalação do languishing deve buscar ajuda especializada e acompanhamento psicológico inicialmente e, caso necessário, psiquiátrico.
Segundo ela, é importante tentar recomeçar as tarefas que foram paralisadas nesse contexto de definhamento aos poucos, e fazer um exercício de tentar se lembrar dos prazeres e do que o movia no passado. Exercitar-se, mesmo com uma frequência menor do que a realizada anteriormente.
Manter contato com as pessoas queridas e próximas, mesmo que no on-line e, se possível e em segurança, caso não seja grupo de risco, permitir-se alguns encontros com os mais próximos, em local aberto, tomando todos os cuidados diante da COVID-19. “A pandemia já vem se arrastando e, infelizmente, é impossível manter a sanidade mental isolados, sem nenhum contato social, o que seria viável caso ela durasse apenas alguns dias.”
A psiquiatra destaca que fatores como resiliência, traços de personalidade e tendência genética influenciam o impacto que a pessoa sofrerá com as mudanças na rotina e o maior estresse. Um bom suporte social e familiar também é importante.
A pessoa que já teve um histórico de transtorno de ansiedade e depressão seria considerada mais predisposta. “Percebo na prática que as pessoas mais sociais e extrovertidas apresentam mais os sintomas de languishing, uma vez necessário o isolamento e a diminuição dos encontros sociais.”Christiane Ribeiro lembra que mais importante do que ter que provar que sente dor é buscar conversar com algum especialista, pois infelizmente as pessoas são limitadas e, nem sempre, por mais bem-intencionadas, se abrir com amigos ou familiares vai ajudar.
“Comentários do tipo ‘mas você tem saúde física, tem emprego, tem tudo’ podem fazer efeito contrário e a pessoa se sentir mal e ingrata. O languishing ainda não é classificado pelos manuais diagnósticos de psiquiatria como um transtorno. Ele é caracterizado por sintomas pontuais de vários transtornos, como o burnout, depressão, estresse agudo, como a desmotivação, a falta de foco e concentração, a sensação de apatia. Embora a depressão e o languishing possam se apresentar de maneira semelhante, existem diferenças distintas.
Ainda que tenha ganho luz agora, no meio da pandemia, Christiane Ribeiro enfatiza que os sintomas do languishing, o principal deles a sensação de vazio, com certeza já existia antes da COVID-19, mas com as consequências negativas na saúde mental nesse período houve uma piora.
As pessoas se isolaram mais, e o clima de tensão e ansiedade gerou preocupações constantes. Além disso muitas formas de alívio utilizadas anteriormente, como sair e estar em família, viajar, ir à academia e até mesmo encontrar os colegas de trabalho em um happy hour, já não seriam possíveis.
Christiane Ribeiro faz um alerta, que já estão de sobreaviso toda a classe médica e profissionais da saúde, não só em BH como no mundo: “Acredito que não só a nossa cidade, mas o mundo não está preparado para esta nova onda da pandemia, que alguns autores inclusive classificaram como a ‘quarta onda’, que seria considerada a das consequências e impactos negativos na saúde mental das pessoas durante o longo período de pandemia. Temos ótimos locais de atendimento pelo SUS em Belo Horizonte, principalmente na urgência, mas infelizmente a distribuição é heterogênea e os locais estão cada vez mais lotados”.Na prática, segundo a especialista, conseguir realizar o acompanhamento ambulatorial ainda é um desafio: muitas unidades básicas de saúde não têm profissional de psicologia e se encontram superlotadas, não sendo possível a realização de retornos próximos. O teletrabalho também poderia contribuir para a piora dos sintomas do languishing uma vez que restringe mais ainda o contato social, além de aumentar a sensação de tédio e “falta de lugar”.
Fonte: Christiane Ribeiro, médica psiquiatra
Fonte: Mundo Psicólogos.pt
Fonte: Mundo Psicólogos.pt
Fonte: Mundo Psicólogos.pt