A funcionária pública aposentada Adriana Melo Barbosa, 59, e o artista plástico Marcelo Bottaro, 57, namoram desde 2014, quando se conheceram em um curso.
O encontro se transformou em um relacionamento sério, e, em 2019, quando estavam prestes a completar cinco anos juntos, eles decidiram assinar um contrato de namoro.
Comecei a namorar com ele aos 49 anos. Tenho interesse em deixar meus patrimônios para os meus sobrinhos, e o Marcelo tem interesse pessoal em deixar bens para os filhos dele em caso de falecimento. Além disso, ele tem uma relação muito próxima com os irmãos e mora com eles; já eu, gosto de morar sozinha, ter minha independência. Então, quando escutei sobre o contrato de namoro, fomos logo a um cartório para saber mais sobre.
Adriana Melo Barbosa
Embora estejam em um relacionamento sério há quase uma década, eles não vivem juntos e nem querem constituir família. Adriana conta que a ideia partiu dela, mas o companheiro topou sem hesitar. “Ele levou numa boa, sempre foi tranquilo em relação a isso, inclusive é ele quem me lembra de renovar o contrato.” Eles renovam o documento anualmente. O casal é de Belo Horizonte.
Adriana destaca a importância de ter encontrado uma alternativa legal que se alinha com seus desejos. Ela diz que o documento dá ao casal tranquilidade, clareza e segurança para a relação. E que não sofre julgamentos por ter escolhido formalizar o namoro. “Cada vez é mais normal e vejo que tem muita gente aderindo. É uma forma de proteção.”
O documento reconhecido em cartório visa a proteger os bens de ambos. O contrato de namoro é um instrumento relativamente novo no Brasil, diz a advogada Izabel Bajjani, especializada em direito de família e sucessões, principalmente após a lei não exigir mais prazo mínimo de relacionamento para a configuração da união estável.
O contrato serve para formalizar uma relação sem a intenção de constituição de família, como uma união estável ou casamento. Ele busca afastar a alegação de existência da união estável futura, seja pelas partes ou por terceiros. O documento é uma escritura pública, e deve ser firmado no Tabelionato de Notas.
Os tribunais e legisladores têm colocado a união estável muito próxima do casamento, quase que idênticas. A grande verdade é que a união estável é uma situação de fato, e o casamento é uma situação jurídica. Então, para você ter a tranquilidade de que não se enquadra na situação da união estável, é ideal que tenha o contrato de namoro.
Izabel Bajjani
O principal benefício do contrato é a proteção patrimonial. Bajjani destaca que, enquanto a união estável implica em obrigações sucessórias e patrimoniais entre os parceiros, o contrato de namoro permite que os casais estabeleçam claramente suas intenções de não assumir essas responsabilidades, mesmo após anos de convivência.
Se beneficiam muitos casos: dois adultos maiores e capazes que estão felizes juntos, mas que não têm intenção de aplicar, naquela relação, os efeitos de uma instituição familiar; ou um casal que quer ‘testar’ antes o formato, sem se comprometer.
Izabel Bajjani
Ela também diz que a medida pode proteger relacionamentos de rótulos confusos. “Às vezes, uma parte acha que vive uma união estável, e a outra parte, que está namorando. Se assina um documento confirmando que as duas partes se entendem como namorados ou que as duas partes se entendem como conviventes, você não tem discussões futuras, nem por eventuais herdeiros ou por terceiros.”
O contrato de namoro ganhou repercussão recentemente por causa do jogador da seleção brasileira Endrick. Ele e a namorada, Gabriely Miranda, celebraram um contrato do tipo, com cláusulas “peculiares”, como a proibição de uso de certas palavras no relacionamento.
A principal diferença entre a união estável e o casamento é a forma como a relação é formada.Enquanto o casamento requer um contrato ou cerimônia formal diante de um juiz, a união estável é estabelecida de forma mais informal, por meio da convivência pública, contínua e duradoura entre o casal. No entanto, mesmo que o casamento ou a união estável sejam em regime de separação de bens, eles ainda têm obrigações, como a pensão alimentícia.
A família é como se fosse uma mini sociedade. Quando o judiciário te enxerga como família, ele te aplica um monte de regramentos que namorado não tem. ”
O contrato de namoro visa não apenas à separação de patrimônio, mas também à exclusão de obrigações familiares que poderiam ser atribuídas em uma união estável ou casamento. “Quando você afirma que aquela relação é um namoro e não um casamento ou união estável, que não tem intuito de constituição de família naquele momento, afasta todo aquele regramento dessa micro sociedade que é a entidade familiar”, diz a advogada.
O contrato de namoro pode incluir cláusulas diversas, desde definições claras sobre patrimônio até regras de interação nas redes sociais. O propósito principal, no entanto, não é regulamentar o comportamento cotidiano do casal, mas formalizar a não intenção de constituir uma família.
Embora ainda não seja amplamente difundido, Bajjani observa aumento na demanda por contratos de namoro nos últimos anos. Ele tem sido procurado principalmente por casais que desejam proteger seus patrimônios e evitar obrigações familiares indesejadas. O Brasil teve recorde de contratos de namoro em 2023 —foram 126 acordos do tipo, segundo a coluna de Mônica Bergamo, na Folha. O aumento foi de 35% em relação ao ano anterior.
É uma tendência forte para todo mundo se sentir confortável de novo para voltar a ter relações mais próximas. Até 2017, a união estável tinha um regramento muito diferente do casamento para fins sucessórios. Mas o Judiciário começou a aplicar regras mais fortes e, diante disso, essa geração que não tem a ânsia de casar está tomando esse cuidado.
Izabel Bajjani
Informações UOL