Com André Fufuca no Ministério do Esporte, primeiro escalão do governo conta com mais um político que apoiou publicamente o impeachment da ex-presidente
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não perde mais uma oportunidade de chamar de golpe o processo de impeachment que resultou na queda de Dilma Rousseff, em 2016. A acusação se dá mesmo diante de todos os ritos seguidos pelo Senado e o Supremo Tribunal Federal — e, claro, pelas robustas denúncias do que ficou conhecido como “pedalada fiscal”. Na prática, contudo, ele demonstra não crer na alegada conspiração golpista, tanto que ampliou o espaço do primeiro escalão do governo federal àqueles que foram publicamente favoráveis à cassação do mandato da petista. De volta ao poder, Lula tem transformado opositores de Dilma em seus mais novos “companheiros”.
Membro do centrão, conhecido nos bastidores do poder como um dos mais fiéis aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e em seu terceiro mandato como deputado federal, André Luiz Carvalho Ribeiro, o André Fufuca (PP-MA), tornou-se ministro do Esporte. A nomeação dele para o posto foi publicada há um mês, em 13 de setembro, por meio de edição extra do Diário Oficial da União— o que consolidou a demissão da segunda mulher na Esplanada dos Ministérios em menos de dez meses da atual gestão federal.
Mais do que representar a chegada do centrão ao primeiro escalão do governo lulista, a nomeação de Fufuca para função no Executivo amplia o número de ministros que, agora aliados de Lula, votaram a favor do impeachment de Dilma. Atualmente, outros três estão nessa condição: Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Juscelino Filho (Comunicações) e André de Paula (Pesca).
Fufuca foi incisivo ao votar em prol da cassação do mandato da petista, no trâmite de admissibilidade do processo pela Câmara, em abril de 2016. Ele acusou a então presidente da República de enganar milhares de pessoas, que acreditaram na construção de uma refinaria da Petrobras no município maranhense de Barbacena — projeto que nunca foi concluído e que, em 2021, tinha prejuízo estimado em R$ 2 bilhões.
“Diga ao povo maranhense e ao povo do Brasil que voto ‘sim’, a favor do impeachment” (André Fufuca, abril de 2016)
“Em nome da unidade partidária, do Partido Progressista, das milhares de pessoas que foram enganadas pela refinaria premium”, começou Fufuca, na ocasião. “Das milhares de pessoas que choraram as mortes de seus entes queridos na BR-75”, prosseguiu o então deputado, ao mencionar uma rodovia que não existe. “Em nome desse Estado que carrego nas costas e no coração (..), diga ao povo maranhense e ao povo do Brasil que voto ‘sim’, a favor do impeachment.”
Hoje ministro das Comunicações e envolvido em polêmicas, que vão desde gastar R$ 130 mil dos pagadores de impostos para ver corrida de cavalos a alvo de investigação da Polícia Federal em operação sobre desvio de verbas públicas, Juscelino Filho ocupava seu primeiro cargo público em abril de 2016. Assim como Fufuca, ele foi mais um deputado federal pelo Maranhão a votar favoravelmente ao impeachment de Dilma. E o fez de forma efusiva, conforme a transmissão da sessão pelo canal no YouTube da TV Câmara. Ele definiu a cassação do mandato da petista como um “momento histórico”. Para o então parlamentar debutante, a saída do PT do governo representaria a chance de um futuro melhor para o país.
“Pela minha família, pelos meus amigos, pelos meus colegas médicos, pelo povo do meu querido Estado do Maranhão, que me deu a oportunidade de representá-lo hoje, neste momento histórico”, contou Juscelino, que na época do processo do impeachment estava filiado ao DEM, que passou a se chamar União Brasil em 2022, quando teve a fusão com o PSL aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral. “Em especial à minha querida Santa Inês e Vitorino Freire, por um futuro melhor para o nosso Brasil, meu voto é ‘sim’.”
Outro então deputado federal favorável à cassação do mandato de Dilma — e que anos mais tarde tornou-se ministro de Lula — foi André de Paula (PSD-PE). Atual titular da pasta da Pesca, ele foi enfático em seu posicionamento contra a então presidente da República. Para ele, o avanço do processo deimpeachment — que se confirmaria por meio do Senado meses depois — serviria como símbolo para o restabelecimento da ética e da decência na política brasileira.
Derrotada na disputa presidencial do ano passado, Simone Tebet não ficou desempregada graças ao empenho em favor de Lula durante o segundo turno contra Jair Bolsonaro. Com o fim de seu mandato no Senado, a integrante do MDB de Mato Grosso do Sul foi nomeada ministra do Planejamento e Orçamento. Cargo um tanto quanto figurativo, uma vez que costuma ser ignorada na agenda do petista, que, na prática, deixou questões econômicas nas mãos dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Esther Dweck (Gestão). Apesar de ser uma figurante na Esplanada dos Ministérios, Tebet completa a lista dos hoje “companheiros” de Lula que atuaram como opositores de Dilma no Parlamento.
Durante sessão de julgamento do processo deimpeachment em agosto de 2016, a então senadora confrontou a petista. Ao menos na ocasião, Tebet defendeu firmemente a cassação do mandato de Dilma, chegando a definir como “maquiagem” contábil o que ocorria com as contas gerenciadas pela União.
“Gastou-se o que tinha e o que não tinha”, disse Tebet, ao se dirigir à então presidente da República. “Se vendeu um Brasil irreal. Os números não confiáveis levaram à perda de confiança dos investidores. Temos PIB negativo por três anos, desemprego recorde. Estamos diante da maior crise econômica da história do país e de um gigantesco rombo fiscal.”
“O governo abandonou a responsabilidade fiscal”, prosseguiu a então senadora. “Adotou manobras fiscais como a maquiagem ou a ‘contabilidade criativa’ para ocultar da sociedade e dos investidores a real situação das finanças públicas e a incapacidade de um governo de cumprir a meta fiscal.”
A conta dos apoiadores do impeachment de Dilma e que acabaram como ministros de Lula vai além. Ao menos outros quatro políticos que hoje têm gabinetes na Esplanada fizeram declarações contra a gestão petista de sete anos atrás. Essa lista é composta por Marina Silva, Carlos Fávaro, José Múcio e Geraldo Alckmin.
De volta ao time de aliados de Lula depois de anos de rompimento, com direito a ganhar o cargo de ministra do Meio Ambiente, Marina teceu inúmeras críticas ao governo Dilma. Em entrevista ao portal UOL, ela chamou de “fraude” a eleição de 2014, quando a petista foi reeleita presidente. Além disso, Marina recomendou que o seu partido, a Rede Sustentabilidade, votasse a favor do impeachment. Entendimento que se manteve dois anos depois do processo. Em entrevista ao jornal O Globo em setembro de 2018, Marina se referiu a Lula como corrupto e disse não ter arrependimento por ter defendido a cassação do mandato de Dilma.
Apoiador de Lula desde o primeiro turno das eleições do ano passado, Fávaro foi agraciado com o comando do Ministério da Agricultura e Pecuária. Certamente, o cargo não foi conquistado por causa de seu posicionamento político de 2016. Vice-governador de Mato Grosso na ocasião, ele chegou a embarcar para Brasília para acompanhar, diretamente do Congresso Nacional, a votação por parte da Câmara dos Deputados sobre a admissibilidade do processo do impeachment de Dilma.
“Este momento será lembrado para sempre no Brasil, estamos vivendo um período histórico”, disse Fávaro, em entrevista ao site RD News, de Cuiabá, em abril de 2026. “E eu, como cidadão mato-grossense, estarei presente por acreditar que uma das saídas para mudarmos a situação de instabilidade econômica e política que o Brasil vive hoje é por meio de mudança de gestão.”
O atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, foi além de declarar apoio ao impeachment de Dilma. Ele teve papel legal em meio ao processo. Isso porque era ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Em relatório divulgado em outubro de 2016, ele recomendou que o Congresso rejeitasse as contas de 2015 do governo Dilma. No material, Múcio afirmou que a então presidente havia cometido pelo menos 12 irregularidades contábeis.
“Do mesmo modo que ocorreu ano passado, foram identificados indícios de irregularidades na gestão orçamentária e financeira e possíveis distorções nas informações contábeis e de desempenho”, afirmou Monteiro, no relatório em que o TCU listou 18 questionamentos à gestão do PT. “Pode-se concluir que a ausência de registro das dívidas da União junto BB, BNDES, Caixa e FGTS pode ter comprometido a condução da execução orçamentária, na medida em que possivelmente distorceu o diagnóstico das metas fiscais.”
Agraciado com o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o vice-presidente Geraldo Alckmin jogou fora décadas de críticas ao PT ao deixar o PSDB, filiar-se ao PSB e aceitar ser companheiro de chapa de Lula na eleição do ano passado. Agora a serviço da militância lulista, Alckmin foi defensor do impeachment de Dilma. De acordo com ele, o Brasil sairia “mais fortalecido” com a cassação do mandato da petista.
“Precisamos virar a página”, disse Alckmin, em abril de 2016, conforme o site oficial do PSDB. “É preciso retomar a esperança, o emprego, o desenvolvimento, o investimento. É isso que interessa”, prosseguiu o então crítico do PT. “O Brasil não pode adiar mais reformas estruturantes, medidas econômicas necessárias. Para tudo isso precisa ter ação e não inação.”
Meses antes, em dezembro de 2015, o então tucano afirmou, em entrevista coletiva, que o processo de impeachment de um presidente da República está previsto na Constituição Federal. E conforme ressaltou o hoje vice-presidente, a Carga Magna brasileira “não é golpista”. Apesar do discurso, Lula demonstra, cada vez mais, concordar com isso.
Mais do que concordar de que o impeachment de Dilma não foi golpe, o discurso de Lula não é mero ato falho, acredita o analista político e mestre em comunicação e consumo Fábio Bouéri. “Fazem parte de uma estratégia baseada em dois fundamentos”, afirmou a Oeste. De acordo com ele, tais fundamentos seriam, em termos de comunicação, a imprevisibilidade e a propagação de conteúdo desinformativo.
“Quando diz que Dilma sofreu um golpe — mesmo sabendo que isso não é verdade e tendo ao seu lado gente que votou pelo impeachmentda petista —, Lula quer confundir o adversário”, diz Bouéri. “Levando-o à desorientação e ao cansaço decorrente da tentativa de interpretar os movimentos.”
“O segundo fundamento é a desinformação”, observa o mestre em comunicação e consumo. “Lula sabe que o brasileiro é um consumidor impulsivo. Quando ele fala do suposto golpe a Dilma, o faz em um momento pontual (pós-posse) e mobiliza toda a força de uma militância inflamada com a volta ao poder.”
Por fim, Bouéri acredita que esse discurso por parte de Lula ganha força com “ajuda de parte da imprensa do país”. Consequentemente, observa ele, há ausência de questionamentos referentes ao rito processual de umimpeachment — que ocorreu normalmente durante o processo contra Dilma — e à atual composição ministerial do governo petista.
E assim, o atual presidente da República, apesar de reclamar de um fictício “golpe” que nunca ocorreu, vai ampliando o espaço na Esplanada dos Ministérios àqueles que ajudaram a tirar o PT do poder em 2016. Na prática, Lula transformou opositores de Dilma em seus “companheiros”.
Informações Revista Oeste