A expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) rumo ao Leste Europeu nas últimas três décadas criou um dilema estratégico entre a Rússia e as potências ocidentais, tendo à frente os Estados Unidos.
Para especialistas em relações internacionais ouvidos pelo UOL, nos últimos dez anos, o presidente russo, Vladimir Putin, mudou a postura do país em relação à Otan, apelando inclusive para manter o que considera a zona de influência russa.
Segundo Maurício Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), desde o fim da União Soviética, houve uma expansão simultânea da Otan e da União Europeia rumo aos países do Leste Europeu.
Em 2008, foram iniciadas tratativas para a inclusão na Otan da Geórgia e da Ucrânia —duas ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com a Rússia. O Kremlin considerou o movimento inaceitável e interveio na Geórgia.Imagem: Arte/UOL
A causa estrutural dessa guerra é um conflito entre a Rússia, Estados Unidos e União Europeia pela delimitação de suas esferas de influência no leste da Europa.”Maurício Santoro, do Departamento de Relações Internacionais da Uerj
Ainda segundo Santoro, as agendas opostas de Putin e dos ucranianos —que buscam uma aproximação com o Ocidente desde o Euromaidan (onda de manifestações que levou à deposição do presidente Viktor Yanukovytch, em 2014)— representam o que a literatura acadêmica chama de dilema de segurança.
“Isso ocorre quando um determinado país ou conjunto de países está buscando se fortalecer, tentando apenas se proteger, mas essa busca vai ser vista pelos vizinhos como ameaça. Isso pode ocorrer mesmo que não haja nenhuma intenção agressiva”, explica.
Criada em 1949, a Otan tinha como principal objetivo estratégico impedir a expansão da União Soviética rumo à Europa Ocidental. No entanto, esse objetivo chegou a ser rediscutido após o fim da potência socialista, no início dos anos 1990.
Apesar disso, a Rússia continuou sendo tratada como uma ameaça em potencial, segundo explica o geógrafo Tito Lívio Barcellos Pereira, mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense).
“Com o fim da União Soviética, de fato existia a esperança, inclusive do próprio governo russo, de que o país [Rússia] seria integrado a esse sistema internacional. De que seria integrado à Otan, à União Europeia e seria um interlocutor dos interesses americanos e europeus no espaço pós-soviético”, diz.
“Isso vai moldando a cabeça das elites russas. Em dado momento, essa desilusão com o Ocidente passa a se tornar uma desconfiança.”
Ainda segundo Pereira, nas negociações para a dissolução da União Soviética, as lideranças do Ocidente prometeram não avançar rumo ao Leste Europeu. Mas esse compromisso verbal não foi cumprido.
Em 1999, Polônia, Hungria e Chéquia (a antiga República Tcheca) ingressaram na Otan. O mesmo foi feito por Letônia, Estônia, Lituânia, Bulgária, Romênia, Eslováquia e Eslovênia em 2004 —todos os países tinham regimes comunistas na chamada Cortina de Ferro criada na Guerra Fria.
“À medida que os anos 2000 avançaram, no contexto da guerra ao terror, o presidente George W. Bush incentivava os países do Leste Europeu a entrarem na Otan como uma pré-condição para entrarem na União Europeia”, avalia.
“As demandas de Putin em relação à expansão da Otan são uma reclamação que existe desde o período [Boris] Iéltsin [presidente da Rússia entre 1991 e 1999], quando a Otan vai fazer sua primeira expansão pós-Guerra Fria, em 1999”.
Lucas Rezende, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que a postura das potências ocidentais em relação à expansão da Otan tem grande peso nas tensões que culminaram no conflito da Ucrânia.
Em sua avaliação, após a dissolução do bloco soviético o objetivo da Otan foi alterado, passando a servir como um braço dos interesses norte-americanos na região.
“Desde o fim da Guerra Fria, a Otan mudou seu propósito. De uma aliança para se proteger da União Soviética, passou a ser uma aliança para garantir mais apoios aos Estados Unidos no continente europeu”, afirma.
Rezende destaca que o mapa de países membros da Otan —que revela um crescente cerco da Rússia mesmo após o fim do regime comunista— teve o objetivo de isolar um potencial rival para os Estados Unidos.
No entanto, movido pelos recursos obtidos com a exploração de petróleo e gás na última década, Putin ampliou muito o poderio bélico russo e, neste momento, “tem capacidade para reagir”.
Por outro lado, ele vê a adesão dos países da antiga esfera soviética como um processo acertado. “O histórico expansionista da Rússia é notável, então tendo um gigante forte e com um histórico de ocupação, esses países quiseram garantir que continuariam estados independentes”.
Informações UOL