“Você não tem medo de ir para o inferno?”. A pergunta da então candidata Soraya Thronicke para Padre Kelmon no debate presidencial da Globo, que foi ao ar na quinta-feira (29), virou assunto na internet. Mas essa é uma questão presente em diversas conversas de quem tenta virar voto dos religiosos.
Kelmon alegou não ter motivos para ter medo do inferno, já que dedica a vida à igreja. Mas, para o cristianismo, basta dedicar a vida ao sacerdócio para ser salvo? Quem pode ir para o inferno?
Uma fornalha de fogo onde o castigo é constante, a destruição é eterna — e que, ainda por cima, fede a enxofre. É assim que a Bíblia descreve o inferno. Chamado também de Geena, Hades, abismo ou tormento eterno, o lugar é citado mais de 150 vezes no livro sagrado do cristianismo.
“O céu e o inferno são explicados a partir de imagens. Numa visão católica, o inferno é o oposto ao céu. É uma situação que, em vez de vida eterna, o que se tem é a morte eterna”, explica Dayvid da Silva, coordenador do curso de Teologia da PUC-SP.
O conceito de um lugar para onde vão as almas dos mortos surgiu muito antes do nascimento de Jesus e está presente em diferentes religiões, filosofias e mitologias. Já a ideia de castigo eterno destinado aos pecadores se popularizou com a Bíblia.
Mas a ideia de castigo eterno destinado aos pecadores foi popularizada por Santo Agostinho, no século 6. O mesmo também defendia que crianças mortas antes de serem batizadas iriam para o inferno.
Numa revisão mais recente, feita em 2015, o papa Francisco foi na contramão da crença e afirmou que o castigo eterno que atormenta os fiéis da igreja “não é eterno”.
A crença de que crianças pagãs estariam condenadas ao inferno caiu por terra ainda antes, com a criação da ideia de “limbo”, onde não há alegria, nem sofrimento.
A lista é ampla. De acordo com a Bíblia, aqueles que adoram a outros deuses, que falam o nome de Deus em vão e que não guardam um dia para adorar ao Senhor estariam condenados ao sofrimento eterno após a morte. Os assassinos, adúlteros, ladrões, mentirosos e os invejosos também têm seu lugar garantido nas profundezas.
Atitudes como não honrar e respeitar os pais, injustiça, impiedade e agressividade também são atos condenáveis no livro sagrado. Até chamar o outro de “louco” e olhar para o próximo desejando-o sexualmente pode garantir uns pontos a menos na hora do juízo final.
“Sempre que caímos no egoísmo, pensamos apenas em nós mesmos ou no nosso grupo e deixamos de agir pelo bem do próximo, nós, de certa forma, estamos agindo contra os valores do evangelho”, explica Dayvid. E, na visão cristã, são esses valores que nos fazem — ou não — chegar mais perto do céu.
Em outras palavras, a condição de inferno, como explica o coordenador, estaria em não realizar a vontade de Deus, conceito que, ao longo da história da igreja, recebeu uma série de interpretações — inclusive preconceituosas. “Muitas vezes, as imagens utilizadas para explicar essa situação de inferno falaram muito mais alto do que o próprio sentido de inferno”, conclui.
De acordo com o cristianismo, sim, todos nós podemos.
Para Dayvid, uma pessoa cristã vive a realidade “de inferno” no momento em que ela se fecha para o relacionamento com Deus e com o outro.
“Às vezes, temos pessoas muito piedosas na igreja, mas que maltratam os outros, agem em vista da divisão e não da unidade, são mesquinhas e egoístas. O contrário também existe: pessoas que não frequentam a igreja, mas agem sempre a favor do outro. No final, todos nós podemos viver essa realidade de céu e de inferno”, conclui.
Informações UOL