Não eram nem 7h da manhã de uma sexta-feira quando Eduardo Suplicy acordou. Tomou café e seguiu para a praça em frente à sua casa para fazer os exercícios físicos, em companhia de sua professora de ginástica. A rotina se repete três vezes por semana.
Naquele dia, a agenda seria extensa, sem hora definida para acabar. Mas ele ainda arranjou um tempo para receber a reportagem de VivaBem em sua casa, no Jardim Paulistano. “Cheguei no horário combinado, hein”, brincou Suplicy.
Aos 82 anos, o deputado estadual por São Paulo é um dos políticos mais famosos no país, além de ser um dos mais longevos, com 44 anos de vida pública. Em setembro de 2023, a notícia de que tinha sido diagnosticado com a doença de Parkinson chamou atenção —tanto quanto a opção de tratamento: com derivados da Cannabis sativa, a planta da maconha.
Após diversos exames, foi em uma consulta com o médico geriatra, há pouco mais de um ano, que o político constatou que estava com Parkinson, mas em estado leve. Dali em diante, foram prescritas receitas de remédios tradicionais, com acompanhamento para definir as dosagens ideais.
Em paralelo, Suplicy passou a acompanhar mais de perto o trabalho da pesquisadora Cidinha Carvalho, mãe de Clárian, menina que tem síndrome de Dravet, e presidente da Cultive, associação sem fins lucrativos criada por e para pacientes e acompanhantes usuários da Cannabis terapêutica.
Cidinha foi a primeira mãe de São Paulo a ter o direito judicial de cultivar Cannabis. “Conheci a filha dela, até que me tornei amigo dela. Vi como a sua qualidade de vida tinha melhorado muito e também de como ela vinha também cuidando, através da associação, de muitas outras pessoas”, comenta Suplicy.
Em julho passado, debaixo de um sol quente, Eduardo Suplicy conversou com especialistas, em meio a uma plantação de Cannabis com área de cerca de três campos de futebol. Vestindo uma camisa com os dizeres “Maconha medicinal, produto nacional, reparação social”, foi assim que ele conheceu a Associação Flor da Vida, em Franca (SP), onde pacientes com doenças crônicas ou síndromes raras, especialmente crianças, são medicados com Cannabis medicinal.
Na visita presencial, também falou com acompanhantes e familiares de pacientes beneficiados com o trabalho da organização. Ficou impressionado com a atuação e indicou que escreveria uma carta à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) com seu relato do que viu e de como gostou das ações feitas ali —a agência é responsável por regulamentar e fiscalizar o uso da planta no país.
Pouco tempo depois da visita, o deputado começou a tomar as primeiras gotas de CBD (canabidiol), medicamento feito a partir da Cannabis sativa, inicialmente importado. “O primeiro óleo tinha uma cor diferente, porque era em doses da Cannabis medicinal infantil. Fui tomando pouco a pouco: cinco gotas por dia”, lembra.
Com o passar das semanas, a dosagem aumentou gradativamente. Mais recentemente, passou a tomar a versão para adultos. Na primeira semana, foram cinco gotas, três vezes ao dia. Depois, seis gotas, sete, oito e, então, passou a tomar nove gotas após cada refeição.
Hoje tomando 27 gotas diárias, de manhã, após o café da manhã, depois do almoço e após jantar, Suplicy relata vários pontos positivos. Um deles tem a ver com as dores musculares que sentia na perna. “Sumiram”, resume.
Com o avançar da doença, tarefas simples e cotidianas para ele, como usar o celular, ler um livro e segurar um pronunciamento se tornaram um problema. O tremor nas mãos o impedia de ser certeiro no que desejava fazer, mas isso também acabou com o passar dos dias tomando o óleo.
Também passei a andar com maior firmeza, e eu faço isso, sempre fui um bom esportista.”
Dentro de casa, as escolhas de tratamento foram bem acolhidas pelos familiares. O deputado cita um almoço antes de iniciar o tratamento com o CBD. Na mesa com os filhos e netos, ele anunciou a doença e que tornaria público seu tratamento com canabidiol.
Todos me apoiaram, disseram para contar com eles, que iam me acompanhar. Sempre me perguntam da saúde. Eu transmito a eles que, felizmente, estou melhorando.”
Para além dos mais próximos, Suplicy diz que o apoio chega por toda a parte, apesar de a Cannabisainda ser um tabu na sociedade. “As pessoas perguntam como está a minha saúde, eu conto o progresso que tenho tido”, pontua.
Responsável pelo tratamento do deputado, a neurologista Luana Oliveira faz parte do núcleo de Cannabis medicinal do Hospital Sírio Libanês. Há meses ciente do quadro clínico do paciente, ela explica que o Parkinson é um distúrbio neurodegenerativo que afeta principalmente o controle do movimento.
Caracterizada pela perda progressiva de células nervosas na região do cérebro que produz dopamina, os sintomas típicos incluem tremores, rigidez muscular, lentidão de movimentos e instabilidade postural. Embora sua causa exata não seja totalmente compreendida, fatores genéticos e ambientais parecem desempenhar um papel.
Hoje, no país, o tratamento com Cannabismedicinal não é parte dos métodos tradicionais. Na linguagem médica, o que Suplicy está submetido é conhecido como “off-label” (algo como “fora da bula”) e parte de pesquisa clínica. Na prática, é receitar um remédio já comercializado para uma função diferente da estipulada na bula e autorizada para comercialização.
“O que estamos fazendo não é substituir o tratamento tradicional do Parkinson, os medicamentos já aprovados, mas compor a terapia com a Cannabis para melhorar alguns sintomas dos pacientes” explica a médica. “Ao invés de eu usar um medicamento para dor, outro para ansiedade, outro para insônia, tenho a possibilidade, com a Cannabis medicinal, de usar o óleo para tratar os múltiplos sintomas”, completa.
Nas primeiras visitas, Luana lembra que dores musculares e a falta de sono foram as principais queixas de Suplicy, algo que apresentou melhoras nos atendimentos seguintes. A questão dos tremores, da lentidão e da rigidez está na meta clínica, mas a pesquisadora indica que nem sempre isso é contido com as dosagens da Cannabis.
Para além de melhorar o quadro clínico do paciente, os resultados obtidos compõem uma pesquisa em andamento com a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), com o objetivo de entender as variações em cada paciente e como a Cannabis pode colaborar com o tratamento de algumas doenças degenerativas.
Nas palavras de Suplicy, dar conta da rotina legislativa intensa é um sinal de que o tratamento tem sido positivo. Sindicatos, congressos, escolas e universidades são locais onde suas palestras são sempre ouvidas, seja online ou de maneira presencial.
Após o diagnóstico, Suplicy diz que sua rotina não mudou, mas cuidados tiveram que ser adotados. Um exemplo foi em agosto do ano passado, quando foi convidado para participar de congresso internacional, na Coreia do Sul, mas para chegar ao destino final, passaria por Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde a Cannabis é proibida.
Com receios de ter problemas com isso, deixou de tomar a medicação. “Um advogado me disse que ele estava com um cliente que estava preso há algum tempo, uns dois anos, e condenado à prisão por 15 anos. Então fui para a Coreia do Sul sem tomar nada”, conta.
Uma semana depois da viagem, em solo brasileiro, voltou a tomar o óleo normalmente.
Defensor dos direitos humanos e da Renda Básica da Cidadania, nos últimos meses, a causa da Cannabis medicinal, bem como o seu acesso às pessoas mais pobres, é mais uma bandeira do parlamentar.
“Procuro colaborar cada vez mais para que a legislação brasileira seja mais adequada para permitir que as pessoas mais pobres, nas áreas periféricas de nossas cidades ou no campo, possam ter acesso ao tratamento”, diz.
Antes do almoço, prestes a iniciar os trabalhos daquela tarde, Suplicy fez questão de lembrar um elogio que recebeu da professora de ginástica: “Ela me disse: ‘Você está muito bem, né?’ Eu estou com 82 anos. Daqui a pouco completo 83”, diz ele, que faz aniversário no dia 21 de junho.
Tenho mantido um diálogo com Deus, com os orixás, para ver se podem me garantir uma boa saúde, para que eu possa ver renda básica universal instituída, para valer, no Brasil.”
Informações UOL