Especialistas defendem que a atividade dos veteranos com alunos novos deixe de ser vista como tradição no ambiente acadêmico e elencam crimes que ocorrem com frequência.
Atividades propostas por universitários veteranos para receber os calouros no início da faculdade, que, à primeira vista, parecem inofensivas podem, na verdade, configurar crime.
Apesar de muitos verem o trote estudantil como um rito de passagem inofensivo, especialistas ouvidos pelo g1 consideram a prática violenta, manipuladora e até criminosa em certas situações.
Abaixo, veja o que pode ser enquadrado como crime no trote estudantil:
Os crimes mais comuns associados a esses trotes são injúria, ameaça, constrangimento, lesão corporal, racismo e até homicídio (veja detalhes abaixo). Vai depender de como as vítimas são coagidas a passar por essas situações.
O advogado Fábio Romeu Canton Filho, professor permanente no programa de mestrado da FMU, diz que estas situações podem justificar ação em esfera civil ou penal.
A decisão sobre em qual esfera vai julgar a ação vai depender de como o ato se desenvolve. Depende qual é a conduta e a condição imposta. Se a vítima é ameaçada, se ela é constrangida, se é agredida. O que não há dúvidas é de que seja crime.
— Fábio Romeu Canton Filho, professor de mestrado da FMU
Atualmente, não há uma lei nacional específica sobre trotes em ambientes acadêmicos, mas alguns estados possuem legislações próprias.
Em São Paulo, por exemplo, eles são proibidos em escolas da rede pública em qualquer nível de ensino desde 2015.
Apesar da falta de um texto legal com vigência para o país todo, Canton Filho defende que o evento deveria ser tratado como crime.
O trote é uma imposição. Então, já parte do princípio que o participante não tem liberdade de escolha. E, comumente, está relacionado a coerção, ameaças e outros crimes tipificados.
Para os professores Sinésio Ferraz Bueno e Antônio Zuin, que estudam o tema, o trote é violento e manipulador desde sua origem, a começar pelo nome.
“Há duas interpretações possíveis para o nome. Pode ser tanto uma referência à domesticação de um cavalo, para ensiná-lo a trotar, por exemplo, quanto uma interpretação mais literal, que remete à intenção de passar um trote, de enganar, ludibriar os participantes”, avalia Ferraz Bueno, que é professor de filosofia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Professor-titular do Departamento de Educação da UFSCar e autor do livro “O trote na universidade: passagens de um rito de iniciação”, Zuin concorda e completa:
Os veteranos se consideram superiores aos novatos que devem se submeter às práticas de violência física e psicológica como condição de serem aceitos na comunidade universitária e, assim, adquirir o direito de praticá-las, quando se tornarem veteranos, nos novatos do próximo ano.
— Antônio Zuin, professor da UFSCar
Ajoelhadas, calouras repetem frases de juramento durante trote da medicina, em Franca, SP — Foto: Reprodução/EPTV
Para eles, o trote deveria ser deixado no passado. A saída mais eficaz, defendem, é a proibição destas atividades por parte das universidades e a adoção de medidas de punição a quem descumprir a determinação.
“Elas podem substituir a prática do trote pelas semanas de recepção dos calouros, com atividades que sejam acolhedoras e opcionais”, sugere Ferraz Bueno.
Como professores universitários, os especialistas contam que os efeitos do trote são perceptíveis na sala de aula e as consequências podem ser duradouras.
“Há muitos casos de desistência de cursos cujos novatos sofreram agressões físicas e psicológicas massivas durante as aplicações dos trotes. Justamente muitas delas engendraram sequelas para o resto da vida das vítimas”, conta Antônio Zuin.
Ferraz Bueno observa que o resultado dos atos de violência pode ultrapassar a relação da vítima com o ambiente universitário e afetar também a vida pessoal.
“O impacto do trote pode ser muito forte, pode alterar o comportamento e interferir na aprendizagem. Isso pode levar a situações de isolamento social, tanto na universidade quanto em outras situações cotidianas”, avalia.
Para eles, é inadmissível que uma atividade relacionada ao ambiente acadêmico cause tantos danos e represente tantos riscos para a vida dos universitários.
“Para muitos calouros, entrar na faculdade é um sonho, fazer a matrícula é um marco. Não podemos permitir que isso continue sendo deturpado por eventos tão irracionais e arcaicos como esse. O trote não é e não deve ser uma tradição”, argumenta Ferraz Bueno.
Informações G1