Não é nenhum exagero afirmar que a Presidência da República é a função ao redor da qual orbita a nossa democracia. O poder conferido ao presidente pela Constituição brasileira é amplo, fazendo do chefe do executivo elemento central para o bom funcionamento do país.
E não há como se afirmar que um país se encontra funcionando de maneira saudável sem que se considere suas relações com outras nações. A diplomacia internacional é um ambiente complexo, no mais das vezes hostil, com diferentes interesses concorrendo e se intercruzando. Não há espaço para amadorismo, e o preço a pagar costuma ser elevado.
Ainda assim, há vergonhas e vergonhas pelas quais um governo pode passar no palco do teatro internacional. Confusão de datas históricas em manifestações públicas, gafes a respeito da cultura de determinada região, ou até mesmo desentendimentos com contrapartes de outros países, são situações que podem até gerar algum desconforto, mas que costumam ser contornáveis. De outro lado, há vergonhas que são insuperáveis, como por exemplo ser a única nação do planeta a ser exaltada por um grupo terrorista, em manifestação oficial, por conta de uma fala de seu presidente.
O grande problema da ignorância é que ela é virtualmente ilimitada. Não há fronteiras que impeçam sua expansão, é um fenômeno que se retroalimenta: a ignorância sobre determinado assunto, quando publicizada por um, resulta na ignorância de muitos, que repetem o discurso. A depender do interlocutor, são milhares, ou mesmo milhões, os que fazem as vezes de catalizadores da falta de conhecimento.
É de se imaginar, então, o tamanho do estrago quando a autoridade máxima de um país afirma que a tragédia humanitária que ocorre em Gaza – situação gravíssima e que merece todos os esforços para ser solucionada urgentemente – se equipara ao Holocausto, período histórico no qual câmaras de gás foram construídas para que, em seu interior, pais e mães judeus segurassem as mãos de seus filhos e lhes prometessem que tudo ficaria bem, enquanto os “chuveiros” eram ligados sobre suas cabeças. A engenharia nazista não tinha outra finalidade além de exterminar milhões de judeus e outros grupos minoritários, e seus objetivos foram atingidos ao menos seis milhões de vezes. Não existe paralelo histórico possível com algo dessa natureza e dimensão. Fazer do Holocausto ferramenta argumentativa costuma ter como único resultado escancarar a ignorância de quem a utiliza.
Lula errou. Errou como poucas vezes havia errado antes, e errou como poucos líderes eleitos democraticamente já erraram. Comparar o conflito na Faixa de Gaza com o Holocausto significa apontar os holofotes para os judeus de hoje, transformando-os nos nazistas contemporâneos. Logo os judeus, que, dentre tantas minorias, foram o principal alvo da máquina de propaganda ariana e de oradores populistas descompromissados com a verdade.
O equívoco da fala do presidente Lula é tão escandaloso que, em circunstâncias normais, não seria necessário sequer apontá-lo. Mas não vivemos sob circunstâncias normais. Políticos afirmam que negócios de judeus brasileiros deveriam ser boicotados, e é aplaudido por seus correligionários. O estabelecimento de uma mulher judia é vandalizado, e sua proprietária é acusada de ser “sionista assassina de crianças”, mas há quem diga que o ataque foi merecido. Judeus alertam para a escalada sem precedentes do antissemitismo, chamando os fatos pelo que são, mas são apontados como mentirosos que tentam confundir antissemitismo com o fictício, mas sempre presente, antissionismo.
Há, de fato, vergonhas e vergonhas pelas quais podemos passar enquanto nação. Mas receber cumprimentos efusivos por parte de um grupo terrorista que executou 1200 civis a sangue frio, utilizando estupros e degolamentos como instrumentos de guerra, é constrangedor em um nível sem paralelo. Lula é o único presidente eleito do mundo que pode se vangloriar por ter sido publicamente elogiado pela liderança do Hamas.
A diplomacia brasileira sempre se colocou como um ponto de equilíbrio nos conflitos do Oriente Médio, mas as recentes declarações presidenciais e nossa vertiginosa aproximação de ditaduras extremistas e antissemitas nos arrancou dessa posição. Nos resta lamentar, com um sentimento profundo de vergonha, quem são os nossos novos amigos.
Marcos Knobel é presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo.
Daniel Kignel é diretor jurídico da Federação Israelita do Estado de São Paulo.
Informações UOL