Nas músicas, em séries, nas propagandas… não tem como fugir do assunto “sexo”. Nas letras das canções que dominam o ranking das mais ouvidas do país, há sensualidade de sobra. Na televisão, nos serviços de streaming, em qualquer lugar: nossa sociedade respira erotismo.
Na contramão desse movimento, porém, algumas mulheres estão adotando a privação do sexo. Seja por questões pessoais, por traumas ou por motivos “espirituais”, elas não consideram a decisão um ato conservador; pelo contrário, tem a ver com a autonomia dos seus corpos e o poder de escolha —fazer o que quer, no momento em que achar conveniente.
Para entender os motivos que as levara a essa decisão, ouvimos três mulheres que fazem (ou fizeram) celibato voluntário.
“A primeira vez que me relacionei sexualmente foi aos 18 anos, com meu então namorado.
Tínhamos uma vida sexual ativa e nosso relacionamento durou cerca de um ano e meio. Apesar disso, era uma relação conturbada e —de certa forma— abusiva. Eu sentia que só conseguia a atenção dele na hora que estávamos transando, então usava sexo como moeda de troca por afeto.
Depois que terminamos, resolvi mudar a maneira como lidava com meu corpo e com minha vida sexual. Agora eu sei o que quero (ou não) para minha vida. No momento dedico meu tempo a outros assuntos; faço estágio de manhã, trabalho à tarde e estudo à noite. Naquela época, nada disso era importante para mim.
Às vezes me pergunto se tem algo estranho comigo. Minhas amigas sabem da situação e até fazem piadas sobre o tema comigo. Para mim, contudo, é diferente. Não consigo me relacionar casualmente —até mesmo para “ficar” com uma pessoa, preciso de um tempo. A última vez que transei foi em outubro de 2020.
Voltei para a terapia no começo do ano. Quero revisitar esse assunto, tenho planos de me casar e constituir família só que, por enquanto, me envolver com alguém pode machucar essa pessoa, porque estou focada em mim”.
Ana Clara, 22 anos, estudante de pedagogia, mora em Rio Claro (SP)
“Eu tinha um um amigo ‘colorido’ com quem sempre transava. Uma bela manhã, depois de termos passado a noite juntos, ele virou pra mim e disse que estava ‘se sentindo recarregado’. Olhei para o teto e me veio um vazio; me dei conta que ele tinha ficado com tudo que eu tinha, tanto energética quanto emocionalmente falando.
Isso me trouxe um alerta e resolvi revisitar a vida de todos os meus parceiros afetivos do passado. Descobri que um ia ser pai, outro ia casar, a terceira já tinha casado.
Levei isso para a minha terapeuta e ela me disse: ‘Ninguém nunca vai permanecer na sua vida se você se comportar como caminho de passagem; será mesmo que você quer ser o destino de final de alguém?’. Essa reflexão mexeu comigo e percebi que todo minha vida estava bagunçada.
Naquela época, minha energia sexual exalava, tinha uma agenda de contatinhos para sexo. Parei para pensar sobre o assunto e me questionei ‘o que consigo fazer se eu não fizer sexo?’. Foi então que minha jornada de celibato voluntário começou.
Fiz 21 dias de jejum intermitente com muita meditação para canalizar a minha energia sexual para o lado criativo. Foi assim que acabei ficando três anos sem transar.
Nesse período conheci minha sócia, minha empresa prosperou, meu salário triplicou, vi que conseguia colocar a energia criativa (que vinha da energia sexual) em outras coisas.
Cortar o sexo foi bom para aprender a fazer escolhas mais conscientes, porque minha genitália guiava minhas escolhas e elas eram estúpidasnone
Decidi voltar a transar quando encontrei uma rede de apoio forte e tirei o sexo do topo das minhas prioridades. Hoje me sinto mais empoderada”.
Kamila Camilo, 29 anos, consultora de impacto de projeto social, São Paulo
“No final de 2019, conheci o meu namorado nas redes sociais. Em março de 2020 nós assumimos o relacionamento. Na época, por causa da pandemia, passamos um tempo afastados.
Antes de conhecê-lo, tive outros relacionamentos. Na minha adolescência, dos 15 aos 18, namorei um cara por quem eu era muito apaixonada, mas parecia que ele só me dava carinho quando a gente transava.
Depois, mais tarde, conheci outra pessoa em um intercâmbio que fiz para o Chile. Rolava muito abuso sentimental e sexual nesse relacionamento, o que também me traumatizou.
Portanto, quando comecei a me envolver com meu atual namorado, meu histórico não era positivo. Na nossa primeira vez, o clima foi estranho… Não sei explicar.
Resolvi conversar com ele sobre o assunto e ele foi muito amoroso e compreensivo. Eu já frequentava a Igreja e ele começou a ir junto comigo. Foi quando ouvimos sobre ‘relacionamento santo’ e optamos por esse modelo.
Decidimos que ficaríamos sem sexo até o casamento. ‘Esperar um pouco não vai fazer diferença, porque sei que vou passar o resto da minha vida contigo’, meu namorado me falou.
O celibato me faz bem para superar e entender que o sexo não é um bicho de sete cabeças. Eu e ele temos uma comunicação muito íntima, outras formas de carinho e intimidade que antes não existiam. Sinto um cuidado muito grande dele por mim. O jeito que ele me olha, uma admiração.
Às vezes o tesão vem (já teve fases que ficamos até sem nos beijar) e a gente dá um tempo. Eu quero me reconciliar com o sexo e voltei a fazer terapia para cuidar dessa parte.
Converso abertamente sobre o assunto com meus amigos —e também com pessoas desconhecidas. Tem meninas que vêm falar comigo e relatam abusos que sofreram. Acho que é importante a gente redefinir a importância que damos para o sexo”.
Jéssica Andrade, 24, estudante de fisioterapia, mora em São Carlos (SP)
A sexóloga Cláudia Renzi entende os pontos levantadas por essas mulheres. “Quantas pacientes eu não atendi que utilizavam o sexo como moeda de troca para receber afeto de seus parceiros? A libido pode, sim, ser direcionada para outra coisa que não o sexo em si”, opina.
“Se elas fizeram essa escolha, devem estar felizes com isso”, pontua a sexóloga. Cláudia sugere que, aquelas que pararam de fazer sexo por causa de traumas do passado, procurem profissionais da saúde para conversar. “É interessante que essa mulher faça terapia, para curar esses choques e evitar cair novamente em um relacionamento abusivo”, finaliza.
Informações Revista Universa UOL