Da mais leve à mais grave, a mentira passa por um circuito complexo para ser convincente.
Se você disser que nunca mentiu, provavelmente estará mentindo. Por mais repreensível que seja esse comportamento, as pequenas mentiras que contamos no dia a dia são uma forma de manter o convívio social agradável, uma estratégia essencial para a nossa evolução. E o cérebro tem grande papel nisso.
De acordo com Jéssica Martani, psiquiatra e especialista em comportamento humano, a mentira é uma forma de deturpar a realidade e inventar histórias.
As pessoas fazem isso por diversos motivos. Na infância, a mentira pode ser usada para conseguir algo em troca, por exemplo, quando a criança promete que vai se comportar se ganhar um brinquedo. Ela também serve para facilitar a adequação a um grupo, como quando o jovem diz gostar da banda que está em alta apenas para se enturmar com os colegas.
Nessa faixa etária, também é comum que os adolescentes enriqueçam histórias para se tornarem mais interessantes na visão dos outros. A mentira pode ainda ser usada para esconder alguma dificuldade, como quando um indivíduo finge saber mais de determinado assunto do que realmente sabe em uma entrevista de emprego. Ou até para evitar constrangimentos, quando uma pessoa responde que gostou do novo corte de cabelo da outra só para agradar.
“É uma estratégia adaptativa e evolutiva. Nós somos seres sociais, um dos poucos que realmente precisam da sociedade para sobreviver. Antigamente, você tinha que ter força para lutar e caçar. Hoje em dia, o que você precisa é manter o contato social”, explica a dra. Jéssica.
No entanto, por mais inofensiva que a mentira seja, seu processo de criação exige um esforço enorme do cérebro. Afinal, além de omitir a verdade, a pessoa ainda precisa criar uma história alternativa que convença o outro sem demonstrar os sinais físicos do nervosismo. Entenda como isso acontece:
Por outro lado, existe um limite entre as mentiras saudáveis do cotidiano e a compulsão por mentir. Quando isso se torna o centro da vida da pessoa, ela pode estar desenvolvendo um quadro de mitomania.
A mitomania ocorre quando a prática de mentir se torna excessiva e causa sofrimento tanto para os outros quanto para a própria pessoa. O mentiroso compulsivo sabe que não está dizendo a verdade, mas já não planeja uma finalidade por trás daquela invenção.
“A pessoa vive mentindo, muitas vezes, por coisas bobas. Qualquer história pequena se transforma em um show maravilhoso ou em um drama super triste”, afirma a dra. Jéssica.
Em geral, esse comportamento é uma forma de proteção. Ou seja, as mentiras não são sempre para enganar o outro, mas sim para se sentir mais atraente e esconder uma personalidade fragilizada.
Não se sabe ao certo o que pode causar a compulsão pela mentira, mas, em geral, o quadro está associado a problemas de autoestima ou transtornos de personalidade, como borderline ou histriônico (transtorno caracterizado pela emocionalidade excessiva e busca por atenção). Experiências traumáticas na infância também podem gerar o comportamento mentiroso.
“Os mitômanos têm dificuldade de buscar ajuda, porque eles se constroem com base na mentira. Se tirar isso, eles vão ter que mostrar quem são e lidar com as próprias fragilidades”, destaca a especialista
Nesse sentido, a psicoterapia é o melhor caminho para descobrir a origem desse comportamento, trabalhando a baixa autoestima, a insegurança e os possíveis transtornos de personalidade.
Informações Drauzio Varella