O presidente Lula volta hoje à refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE), para lançar a segunda etapa das obras cuja finalidade é mais do que dobrar a atual capacidade de refino.
A história do empreendimento é marcada não só por escândalos de corrupção e mau uso do erário, mas também pela mudança de curso. Inicialmente seria uma sociedade da Petrobras com a PDVSA, a petroleira venezuelana, em acordo assinado por Lula, em seu primeiro mandato, e Hugo Chávez.
O projeto da refinaria foi inteiramente concluído, mas as operações tiveram início em 2014 de forma parcial, com o funcionamento de um conjunto de unidades, o chamado trem 1, capaz de refinar cerca de 100 mil barris por dia. O projeto previa o trem 2, que não foi finalizado.
A história começa em abril de 2003, quando Hugo Chávez foi ao município de Abreu e Lima com Lula e assinou a ata do Recife, que firmava as intenções do acordo binacional na área de petróleo.
Em dezembro de 2005, no Complexo de Suape, em Ipojuca, Hugo Chávez lançou a pedra fundamental da obra e fez um discurso pedindo voto para a reeleição de Lula — que ocorreu no ano seguinte.
Em março de 2008, Chávez voltou a Pernambuco e visitou as obras já em andamento da refinaria —feita só com recursos do lado brasileiro.
Sem acordo fechado com o Brasil, deu uma curiosa declaração no Palácio do Campo das Princesas (sede do governo pernambucano): “Não temos dinheiro, mas temos vontade política”. Na visita, ainda recebeu medalha com a mais alta comenda da Assembleia Legislativa.
Em 2011, a Petrobras anunciou que não tinha chegado a um acordo com os venezuelanos, e a PDVSA saiu do projeto sem colocar um centavo.
As duas empresas não deram explicações oficiais detalhadas, mas sabe-se que um dos pontos cruciais foi que a Venezuela oferecia, como parte do pagamento, óleo cru para custear o negócio.
Além dos laços políticos entre Lula e Chávez, morto em 2013, havia um interesse estratégico do Brasil na parceria com a Venezuela em 2003: a perspectiva de exploração de petróleo no país vizinho. Naquela época, sem a exploração do pré-sal, havia preocupação diante do declínio das reservas próprias.
Diante da repercussão do acordo desfeito, o TCU (Tribunal de Contas da União) apurou o fim da “parceria” e eventual prejuízo causado.
Em 2006, um documento enviado à diretoria executiva da Petrobras alertou que o petróleo venezuelano continha “alto teor de enxofre e instáveis”. O tratamento exigiria “elevado investimento em uma refinaria para o seu processamento”.
Havia expressa indicação dos custos adicionais do projeto em face da participação da PDVSA (acréscimo de 21%) e da redução da lucratividade da Petrobras com a parceria. E note-se que, àquela altura, a Petrobras ainda nem sequer conhecia a composição química do petróleo venezuelano, baseando-se unicamente em indicativos apresentados por técnicos da PDVSA.
Relatório do TCU
A sugestão do setor de Estratégia e Desempenho Empresarial da Petrobras foi buscar contrapartidas para compensar a redução na rentabilidade, além de negociar um desconto em cima do petróleo que viria da Venezuela.
Em 2009, Petrobras e PDVSA assinaram um acordo de associação, que dizia que a empresa venezuelana iria realizar um aporte inicial de R$ 854 milhões (1,9 bilhão em valores atuais).
O valor seria correspondente ao percentual do capital social da nova empresa, a Rnest (Refinaria Abreu e Lima). O documento, porém, era apenas uma intenção, sem compromissos.
Em 2011, Chávez culpou o Brasil. “Temos o dinheiro à mão, só falta um requisito: que o BNDES aceite as garantias que a Venezuela está oferecendo”, disse, sem detalhar quais seriam essas garantias.
Entretanto, segundo o TCU, o Brasil já tinha investido “mais de R$ 18 bilhões em contratações”, somente entre 2007 e 2009, sem ainda a parceria firmada.
Este valor era muito superior ao que havia sido aprovado para todo o Projeto Rnest na precedente fase de projeto conceitual.”
O TCU ainda citou que esses investimentos eram “irreversíveis” e foram autorizados em uma obra ainda com “desenho incipiente”.
E, mais importante, umbilicalmente associada a um plano de negócios bem maior – a possibilidade de exploração de petróleo na Venezuela – cujas balizas não estavam assentadas e sem nenhuma salvaguarda jurídica a comprometer a empresa parceira.”
Ou seja, o interesse do Brasil em explorar petróleo no país vizinho não passava de um desejo, sem qualquer formalização. “Isso era particularmente temerário”, completa o TCU.
Ao final, apenas o trem 1 da refinaria ficou pronto, e o custo da obra explodiu. Inicialmente, estava orçada em US$ 2,3 bilhões (R$ 13,5 bilhões). Somente o trem 1 teve investimento de US$ 18,27 bilhões (R$ 92,6 bilhões) — o que gerou a pecha de refinaria mais cara do mundo.
Os altos custos —arcados somente pela Petrobras— geraram protestos da oposição, que cobrava do governo Dilma (PT) o pagamento de algum valor pela desistência.
A Petrobras respondeu ao UOL que, “em todos os documentos (…) havia a premissa de que quaisquer direitos e obrigações somente seriam devidos, de parte a parte, na hipótese de efetivo ingresso da PDVSA na sociedade”.
A PDVSA jamais ingressou na sociedade e, por tal motivo, jamais teve qualquer direito de deliberação no âmbito da Rnest. Da mesma forma, eventuais cobranças somente seriam devidas por sócios da Petrobras na Rnest e não por potenciais sócios.
Petrobras, em nota
Para o TCU, porém, a indefinição de uma década gerou prejuízos ao lado nacional —apesar de a Petrobras nunca admitir.
Um dos aspectos que causou atrasos e custos desnecessários ainda na fase de projeto conceitual (Fase II) foi a indefinição da parceria societária entre a Petrobras e a estatal venezuelana PDVSA.”
O início das obras do trem 2, segundo a Petrobras, está previsto para o segundo semestre; e a conclusão, para 2028.
Isso deve duplicar a capacidade de processamento da Rnest, agregando mais 130 mil barris por dia. A previsão do investimento é de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,5 bilhões) até 2027.
Segundo página da refinaria no site da Petrobras, a Rnest é a “mais moderna” já construída pela estatal.
Dentre todas as refinarias brasileiras, A Rnest apresenta a maior taxa de conversão de petróleo cru em diesel (70%), combustível essencial para a circulação de produtos e riquezas do país.
Petrobras
Informações UOL