A esteatose hepática, mais conhecida como “gordura no fígado”, vem se tornando um problema cada vez mais frequente e conhecido pela população. É verdade que isso se deve, em parte, ao fato de mais médicos solicitarem ultrassonografias de abdômen e detectarem o problema. Outra razão que explica sua incidência cada vez mais comum é o aumento da obesidade na população.
Quando as células e os espaços do fígado são preenchidos por gordura, o órgão se torna volumoso e pesado. A comparação mais comum — impactante, porém didática, é com o famoso patê de foie gras (fígado de ganso), obtido a partir da dieta forçada e extremamente rica em calorias desses animais. Porém, o abuso de álcool, o uso de certos medicamentos e doenças como as hepatites virais também podem causar esse quadro, que só gera algum sintoma quando o dano ao fígado já é muito grave.
O fígado é uma glândula localizada no lado direito do abdômen que possui diversas funções, como desintoxicar o organismo, produzir colesterol, sintetizar proteínas e armazenar glicose (o açúcar do sangue). O órgão produz a bile, um composto que ajuda no processo de eliminação de toxinas e na digestão dos lipídios. Assim, a presença de um pouco de gordura no fígado é absolutamente normal. Mas quando o índice de infiltração ultrapassa 5% do seu volume, a situação começa a se complicar.
Se não tratada ou controlada, a esteatose hepáticapode gerar uma inflamação, também chamada de esteatoepatite, que leva a morte celular e um processo de fibrose (cicatrização). Com o passar dos anos, a condição pode progredir para cirrose hepática e também pode resultar em câncer de fígado. Em situações mais graves, o transplante é necessário.
Existem dois tipos de esteatose, ou doença hepática gordurosa, de acordo com as causas:
A esteatose é considerada a doença do fígado mais comum nos países industrializados ocidentais. Cerca de 70% dos casos referem-se à doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e o restante é consequência do abuso de álcool. Estima-se que 20% a 40% da população sofra com o problema, sendo que o percentual é mais alto se considerarmos populações específicas, como a de obesos, diabéticos ou indivíduos com síndrome metabólica (quadro que envolve dislipidemia, resistência à insulina e obesidade abdominal).
Embora seja mais comum em adultos na faixa dos 40 ou 50 anos de idade, crianças pequenas podem ter esteatose, geralmente associada a doenças metabólicas. Entre as mais velhas e os adolescentes, o quadro também pode surgir como consequência de hábitos pouco saudáveis. E apesar da relação com a obesidade, indivíduos magros também podem fígado gorduroso.
Já em relação à esteatose hepática associada à bebida, estima-se que 90% dos indivíduos que fazem uso abusivo do álcool tenham a condição, dos quais 15% a 30% desenvolvem hepatitealcoólica e 10% a 20%, cirrose hepática.
Praticamente nenhm paciente com esteatose hepática apresenta sinais ou sintomas, ou seja, a condição é silenciosa, e só é identificada em exames de rotina. Quando surgem, os sintomas mais comuns são:
Já quando existe um grau elevado de inflamação (esteatoepatite), ou fibrose e cirrose, as manifestações podem incluir:
Uma das consequências possíveis da cirrose é chamada hipertensão portal, que tem como sintomas:
Os sintomas mais comuns do câncer de fígado são:
Na maioria das vezes, a esteatose é identificada de forma incidental em uma ultrassonografia de abdômen solicitada pelo médico num exame de rotina. Esse exame pode ser pedido quando o profissional identifica um ou mais fatores de risco. Para completar o diagnóstico, é importante conhecer o histórico do paciente, avaliar pressão arterial, peso, altura, IMC (índice de massa corporal) e circunferência abdominal. Além disso, devem ser pedidos exames laboratoriais para avaliar os níveis de colesterol, triglicérides, glicose, insulina; teste homa (que determina o grau de resistência à insulina); e enzimas hepáticas. Outros exames de imagem, como tomografia, ressonância magnética e elastografia hepática (procedimento parecido com a ultrassonografia) podem ajudar a confirmar o diagnóstico. Em alguns casos, porém, a biópsia de fígado é necessária.
Os exames e/ou a biópsia podem indicar a gravidade da esteatose, geralmente classificada em:
Grau 1 ou leve Quando há pequeno acúmulo de gordura;
Grau 2 Quando há um acúmulo moderado de gordura no fígado;
Grau 3 Quando ocorre grande acúmulo de gordura no fígado.
O combate ao problema envolve prioritariamente mudanças no estilo de vida, com dieta saudável e prática de atividade física, a fim de se controlar o excesso de peso, a resistência à insulina, os níveis de colesterol e triglicérides e a pressão arterial. O consumo de álcool deve ser evitado mesmo para quem essa não é a principal causa do problema, já que a bebida sobrecarrega o fígado e contribui para a obesidade.
Embora emagrecer seja considerado o principal pilar do tratamento, é importante que a perda de peso seja gradual. O emagrecimento rápido pode agravar a esteatose porque, antes de ser “queimada”, a gordura armazenada no corpo também passa pelo fígado —é por isso que as cirurgias da obesidade são um fator de risco.
Quando a doença é causada por medicamentos, é necessário avaliar custo-benefício e estudar a possibilidade de substituição. O uso de esteroides anabolizantes deve ser interrompido e, no caso de a esteatose ser associada a outras doenças, como hipotireoidismo ou ovário policístico, essas condições devem ser tratadas adequadamente.
Não existe nenhum medicamento específico para a esteatose, porém alguns medicamentos costumam ser indicados pelos médicos para alguns pacientes. É o caso de drogas para o controle do colesterol e do diabetes (como metformina, pioglitazona e rosiglitazona), ou drogas para controle da obesidade, como o orlistat(Xenical). A vitamina E e o ácido ursodesoxicólico também costumam ser indicados quando há sinais de esteatoepatite e fibrose, e alguns profissionais podem indicar alguns suplementos, como a silimarina (fitoterápico) e a N-acetilcisteína, embora os resultados sejam inconclusivos.
Para casos de cirrose avançada, que não respondem ao tratamento de controle, o transplante de fígado tem o potencial de aumentar a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes. Na cirrose alcoólica é necessária a abstinência alcoólica de pelo menos seis meses antes do procedimento.
A alimentação deve ser orientada por médicos e nutricionistas, para levar em conta questões individuais, como o diabetes ou a hipertensão.
O que priorizar:
O que evitar:
Todas as medidas acima, indicadas para o controle da esteatose, também ajudam indivíduos saudáveis a evitar a condição. Lembre-se que toda doença capaz de causar inflamação crônica no fígado deve ser diagnosticada e tratada a fim de evitar a progressão para a cirrose hepática.
A esteatose pode ser revertida ou pelo menos estabilizada quando diagnosticada em estágios leves ou moderados, desde que a pessoa siga todas as orientações médicas. Já nos casos de cirrose, o tratamento visa ao controle do quadro, sendo que nos casos avançados o transplante de fígado pode ser necessário.
Modificar hábitos é um desafio enorme, especialmente porque vivemos expostos a alimentos calóricos e o consumo de álcool é algo aceito na nossa sociedade. Por isso quem tem um familiar com a condição pode ajudar com apoio emocional e incentivo de hábitos saudáveis. O combate à obesidade e ao alcoolismo com frequência envolvem suporte psicológico.
Fontes: Edvânia Soares, nutricionista clínica; Isaac Altikes, gastroenterologista; Renato Zilli, endocrinologista; American Liver Foundation; Instituto Nacional de Câncer (Inca); Ministério da Saúde; Sociedade Brasileira de Hepatologia.
Informações UOL