O Bahia conviveu, nas últimas semanas, com especulações de que poderia ser adquirido pelo Grupo City e ser mais um tradicional clube do futebol brasileiro a ter um dono, seguindo os passos de Cruzeiro e Botafogo ao se tornarem Sociedades Anônimas do Futebol (SAF).
O clube, que neste sábado visita o Fortaleza na Copa do Nordeste, com transmissão ao vivo pela ESPN no Star+ às 17h45 (de Brasília), de fato, estuda a possibilidade de se tornar SAF. Segundo apurou o ESPN.com.br, no entanto, existem apenas sondagem de possíveis investidores, sem contato oficial de nenhuma empresa até o momento.
Não será de uma hora para outra, inclusive, que o Bahia mudará seu modelo de gestão. No último mês de janeiro, o Esquadrão de Aço criou uma comissão provisória, com a presença de sete conselheiros deliberativos, para estudar e avaliar diferentes modelos de SAF. A intenção é entender a melhor forma de administração e gestão de possíveis investidores externos.
Em um período inicial de seis meses, esse grupo deve se debruçar sobre diferentes materiais e estudos sobre Sociedades Anônimas e levas essas informações ao restante do Conselho Deliberativo tricolor no meio do ano. Até lá, haverá também a realização de eventos transmitidos pelo canal oficial do clube para que o sócio tenha acesso direto ao trabalho.
A reportagem apurou ainda que conselheiros do Bahia têm entrado em contato com profissionais de Botafogo, Cruzeiro e América-MG para entenderem melhor como tem funcionado cada processo e ter uma visão de pessoas integradas ao dia a dia de uma SAF no futebol brasileiro – o Coelho é o único dos três ainda em busca de um investidor.
Tamanha cautela para avançar como SAF tem origem em dois principais motivos: o Bahia já teve uma experiência como Sociedade Anônima que não foi positiva; e também pretende manter-se como um clube democrático a seus associados e torcedores, mesmo em caso de venda de ações para empresas investidores.
Em 1998, um ano após ser rebaixado à Série B do Campeonato Brasileiro, como foi em 2021, o Bahia assinou um contrato válido por 25 anos com o Banco Opportunity, através da empresa Liga Futebol. No acordo, os investidores assumiam 51% do Bahia S/A, enquanto o clube ficava com 49%. O comando do futebol seguiu com o então presidente Marcelo Guimarães.
O que pareceria, porém, ser um grande passo acabou se transformando em caos para o Bahia. A expectativa de receber investimentos e de crescer ainda mais foi ruindo após seguidas temporadas sem conseguir retornar à primeira divisão. Em 2000, com a Copa Havelange, o clube até voltou à elite, mas caiu novamente em 2003.
Só que, em 2005, a situação piora: o Bahia cai para a Série C e não sobe no ano seguinte. Foi então que o clube procurou dar fim à parceria. Para acabar com a S/A, o Esquadrão de Aço assumiu uma dívida, na época, de R$ 40 milhões.
A equipe ainda se comprometeu a repassa ao banco percentuais de venda de atletas. Esse valor iria aumentando gradualmente – 10% em 2007, 20% em 2008 e 30% de 2009 até 2023. O problema é que o Opportunity nunca foi pago, e o caso foi parar na Justiça. A parceria foi encerrada oficialmente em 2008, e até hoje o caso não tem solução. A dívida, atualmente nas mãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), está avaliada em R$ 100 milhões.
Em julho de 2021, durante uma transmissão em uma das plataformas oficiais do Bahia, o presidente Guilherme Bellintani disse que esse débito poderia “fechar o clube”.
É por conta de todo esse cenário que o Bahia, em 2022, quer ter nas mãos todas as possíveis questões envolvendo a transformação do clube em uma SAF e os impactos que qualquer negociação com investidores poderá causar na instituição nos próximos anos.
Outro ponto que o Bahia considera importante hoje para adotar o modelo de clube-empresa é conseguir fazer com que as principais decisões sigam passando pelas mãos dos sócios – assim como será a própria possível chegada de um investidor. Para a atual gestão, a transformação democrática vivida a partir de 2013 deve mantida a todo custo.
Segundo apurou o ESPN.com.br, o Bahia não se empolgou até o momento com os formatos de investimentos realizados em Botafogo e Cruzeiro, por exemplo, com a chegada da figura de um “dono” – o norte-americano John Textor e Ronaldo Fenômeno, respectivamente.
Um modelo estudado com mais carinho vem de fora do Brasil, mas não tem qualquer relação com o Grupo City: é o adotado pelo Bayern de Munique, na Alemanha.
Os gigantes bávaros são uma empresa, mas 75% das ações são da Bayern AG, que é uma sigla para a palavra alemã “Aktiengesellschaft”. O nome nada mais é do que um equivalente em português para sociedade anônima. A questão é que os acionistas “donos” da maior parte do clube são os próprios sócios, que têm voz ativa em grandes decisões; mas toda a gestão é feita por executivos – hoje, o CEO da equipe é o ex-goleiro Oliver Kahn.
Os outros 25% das ações do Bayern estão divididas entre três empresas que aportaram milhões de euros por uma participação de 8,33% cada: Audi, Adidas e Allianz. O modelo consolidado e de sucesso do Bayern faz com que o Bahia mire este exemplo para o futuro. Manter as decisões mais importantes nas mãos dos associados e conseguir empresas renomadas, com potencial para aportes financeiros, para impulsionarem o Esquadrão de Aço.
Apesar das preocupações com dívidas passadas, o Bahia havia se consolidado, nos últimos anos, como o maior gerador de receitas do Nordeste. A queda para a Série B, contudo, trará um impacto significativo para 2022, e não retornar à elite pode ser catastrófico.
O cálculo da equipe tricolor, segundou apurou a reportagem, é de perder cerca de R$ 70 milhões em receitas na comparação com 2021. A possibilidade de se tornar SAF, e conseguir novas fontes de arrecadação, também tem de ser analisada dentro desse contexto.
Apesar de todos os estudos realizados, o ESPN.com.br apurou ainda que o Bahia não negaria de imediato uma proposta para se tornar SAF. Qualquer oferta recebida pelo clube seria repassada aos sócios para uma decisão conjunta, sem a necessidade de se aguardar o fim dos estudos para que seja tomada alguma decisão.
Hoje, a atual gestão do Bahia entende que não precisa se apressar para virar SAF e equalizar as contas, em movimentos semelhantes aos de Botafogo e Cruzeiro. Para evitar repetir os erros do passado, os tricolores são cautelosos. Mas, como quase tudo no futebol, a bola entrar ou não na temporada pode fazer com que as coisas mudem mais rapidamente do que o previsto.
Informações ESPN