Os amigos têm papel importante na nossa vida: trazem suporte emocional em momentos bons e ruins, na “alegria e na tristeza”. Aliás, é na amizade que muitas pessoas podem encontrar o conforto que não tiveram na família.
O problema é que, para algumas pessoas, nem sempre é fácil criar novos laços (ou manter os antigos), principalmente na fase adulta, quando tudo parece ficar mais complexo —filhos, agenda lotada, trabalho e por aí vai.
A pandemia e as novas relações de trabalho dificultam esse processo.
“As relações interpessoais sempre me causam certo cansaço, de pensar todo o planejamento de sair com aquela pessoa. Sinto que é mais difícil que esses novos vínculos apareçam naturalmente”, diz a escritora e roteirista Vanessa Airallis, 21.
Na pandemia, ela passou (e ainda passa) grande parte do dia em casa: Vanessa faz um curso a distância e, além disso, um dos trabalhos dela é home office.
Me formei em 2019 na escola e, com a pandemia, passei muito tempo em casa. Depois que acabou, sinto uma dificuldade muito grande de fazer amizade.”
A escritora tenta frequentar locais para fazer amigos, o que nem sempre trouxe resultados. Depois que voltou ao trabalho presencial, conseguiu novas amizades, mas não são profundas.
Consigo encará-los como amigos, mas nem tanto. É uma amizade dentro da empresa, fora da empresa, não.”
Todos nós fomos “vítimas” de uma reclusão necessária na pandemia —e isso agravou os relacionamentos, explica Vinicius Barbati, psicólogo do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, gerido pelo IRSSL (Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês).
Este processo prejudicou os vínculos sociais e agravou quadros psicopatológicos anteriores.
O psicólogo também explica que os adultos da geração Y e os primeiros da geração Z entraram em um mercado de trabalho marcado por mudanças.
Há aumento da fragilização dos vínculos trabalhistas e aguda exaustão em função da sobrecarga física e mental da vida profissional. Nesse cenário, um tema comum, que vai existir em qualquer encontro social de pessoas entre 25 a 45 anos, é estar cansado.”
A construção de novos vínculos ou a manutenção de muitas amizades podem ser vividos como mais uma “tarefa árdua” na já sobrecarregada vida do adulto do nosso tempo, diz o psicólogo.
Situações mais graves, como lutos, podem criar barreiras adicionais.
A psicóloga Natalia Cirigussi, 26, perdeu a melhor amiga em 2019, de forma abrupta. As duas eram tão próximas que até uma tatuagem fizeram juntas, além de dividirem o mesmo apartamento no último ano da faculdade.
“Minha história com a Joyce foi muito breve, mas intensa”, conta. Elas se conheceram durante o curso de psicologia e criaram uma rápida conexão em três anos.
Joyce morreu aos 23 após sofrer um acidente de moto, em Fernandópolis (SP), onde as duas estudavam. A morte da amiga fez com que Natalia se sentisse desamparada. Logo depois, ela mudou de cidade e se viu sozinha, com dificuldade de fazer novos vínculos.
Neste período de luto, conheci inúmeras pessoas, mas estava fechada emocionalmente. Tinha consciência disso, com ajuda da minha própria análise. Fiz alguns vínculos, mas que não se aprofundaram.”
O luto me marcou com medo inconsciente da perda, de me apegar a outra pessoa e perdê-la de novo.”
As “escolhas da vida”, como mudar de cidade, também são pontos que justificam a dificuldade para criar vínculos mais fortes. A terapia foi essencial para lidar com a fase.
Quando as pessoas não conseguem atravessar esse período, seja do luto, da decepção ou do rompimento, ela pode se fechar para novas experiências se for muito rígida emocionalmente. Felizmente, não aconteceu comigo, mas também foi necessário muito trabalho psíquico.”
Atualmente morando em São Vicente (SP), a psicóloga já se programou para fazer atividades, como ioga e natação, que favoreçam novos contatos. “Só agora me sinto emocionalmente disponível para me colocar nesses ambientes.”
Sim. Quando somos mais novos, costumamos ter mais tempo e ambientes (escola, hora do recreio) para socializar e conhecer pessoas. Já adultos, o cenário muda: mais responsabilidades, trabalho, filhos, cuidados com a casa e, de fato, o tempo fica mais escasso, explica a psicóloga Cecilia Dassi.
Chegamos em um momento em que precisamos decidir como vamos investir nosso tempo, em quais vínculos investir a energia: de saber como a pessoa está, escutar, acolher, dar suporte no momento em que precisa, de realmente nutrir essa relação.
Cecilia Dassi, psicóloga
A psicóloga, que é ex-atriz da Globo, criou “sem querer” uma grande rede entre seguidores que sentiam falta de uma amizade na pandemia —e que dura até hoje.
“Recebi muitas mensagens de gente falando que se sentia sozinha e pensei em como juntar essas pessoas.”
A psicóloga resolveu, então, pedir ajuda para criar grupos no WhatsApp. Os grupos lotaram em pouco tempo e, depois, subgrupos também saíram de lá.
A coisa foi crescendo lindamente. Muitos se juntaram para ver filmes do Oscar, outros criaram um grupo de leitura e até paquera já teve. Fez bem para as pessoas, especialmente no período da pandemia.”
A advogada Cássia de Menezes, 29, concorda que a “correria” da vida traz mudanças nas relações com os amigos. Muitas vezes, é necessário fazer malabarismos para conseguir marcar algo.
É difícil manter as amizades no padrão que a gente mantinha quando era mais novo, como na época da escola, faculdade, quando éramos muito próximos dos amigos. Além disso, tem a evolução de cada um, que vai para lados diferentes. Nossos amigos se casam, têm filhos e podem mudar de cidade.”
Morando sozinha, Cássia diz que passava boa parte dos finais de semana sem falar com ninguém —no máximo, mandava áudio no WhatsApp. Depois de assistir a uma série sobre a importância da amizade no envelhecimento, ficou reflexiva.
Lembro de ter visto que o que pode ajudar no envelhecimento é a vida em comunidade. As pessoas são amigas, são próximas e cuidam umas das outras. Com isso, pensei: ‘Acho que eu preciso ser mais legal e mais próxima das pessoas’.”
A advogada começou a demonstrar mais interesse pelas pessoas que conhecia em atividades cotidianas e, até agora, a “estratégia” de puxar assunto trouxe resultados positivos —por enquanto, ainda de forma superficial.
Faço ioga e, depois da atividade, sento no sofá, pego uma água e fico conversando com o professor — claro, respeitando o tempo dele. Fiz o mesmo com os professores da musculação e com a recepcionista do meu trabalho. Claro que são amizades ainda superficiais, que se aprofundam pouco (…) É um processo ainda recente, mas que já gerou resultados positivos.”
Estudos mostram que ter relações de amizade é fundamental para viver de forma mais saudável e até mais longa.
Estudos apontam que ter pessoas com quem você pode contar ajuda a diminuir o estresse, risco de depressão e aumenta a expectativa de vida. De forma geral, ter bons relacionamentos é um fator essencial para a manutenção da saúde mental.
Alana Anijar, psicóloga pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)
Ao longo do nosso amadurecimento, é normal valorizar mais os poucos amigos —mas verdadeiros— do que muitos relacionamentos rasos e superficiais, segundo a psicóloga.
Existe uma diferença entre ser introvertido ou apreciar seu tempo de solitude e de se isolar. Embora algumas pessoas se sintam confortáveis com poucas amizades, é importante reconhecer quando a solidão se torna um problema.
Alana Anijar, psicóloga
Os psicólogos consultados por VivaBem deram as seguintes dicas:
Esteja aberto para o novo: se receber um convite para sair, veja se vale a pena, se os interesses em comum fazem sentido.
Procure grupos de assuntos de que você gosta, como de leitura, esportes, filmes, entre outros. Busque nas redes sociais, como o Facebook e Telegram.
Fora do online, também é possível fazer aulas de assuntos de interesse, como ioga, crossfit, aula de dança, de fotografia, clubes de leitura em bibliotecas, etc.
Não tenha medo de dar o primeiro passo: se existe abertura do outro lado, chame a pessoa para sair.
Tenha em mente que fazer novas amizades dá trabalho, então é preciso ter um pouco de paciência mesmo.
Procure ajuda de um especialista se a socialização ficar difícil demais.
Informações UOL