Arie Halpern
Pesquisadores do Salk Institute for Biological Studies, da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriram um mecanismo de formação de emoções associadas às memórias do cérebro humano. A novidade é disruptiva para a área e deve originar uma série de avanços capazes de qualificar diagnósticos e tratamentos para melhoria da saúde mental, recuperação de traumas e outras condições psiquiátricas.
O trabalho coordenado por Hao Li aponta que o cérebro atribui um valor emocional à informação que armazena, à medida em que a codifica, “salvando” as experiências como boas ou más lembranças. Ou seja, o sentimento não está associado à memória, ao contrário, o sentimento faz parte da memória.
Na pesquisa publicada pela pela revista “Nature”, os cientistas defendem que o valor sentimental de cada memória é estabelecido por uma pequena molécula conhecida como neurotensina. De acordo com o trabalho, à medida em que o cérebro julga novas experiências no momento em que estão ocorrendo, os neurônios ajustam a liberação de neurotensina enquanto essa mudança envia as informações recebidas para serem codificadas como memórias positivas ou negativas.
“Ampliar a compreensão dos mecanismos do corpo humano, especialmente do cérebro, é uma tônica da medicina moderna que pode resultar em melhorias de qualidade de vida impensáveis, mesmo hoje em dia”, diz , especialista em tecnologias disruptivas.
A descoberta oferece novas perspectivas para investigar os fundamentos biológicos da ansiedade, dependência (química, psicológica etc.) e outras condições neuropsiquiátricas que podem ser consequência de falhas nos mecanismos de processamento de memórias. Em tese, redirecionar o cérebro por meio de novas drogas poderia ser um caminho para tratamentos inovadores.
Complexidade do cérebro
Os neurocientistas ainda estão longe de entender por completo como nossos cérebros codificam, registram e releem nossas memórias. Todavia, a atribuição de valor emocional ao que guardamos já é conhecida como uma parte essencial para processos fundamentais para a sobrevivência.
Nesse campo, as memórias associativas têm um papel central. A capacidade de conectar ideias díspares é relevante para perseverar. Por associação, somos capazes de interpretar uma placa com o desenho de um raio e entender que tocar a cerca em que se encontra esse símbolo pode provocar um choque elétrico. Tudo isso demanda uma carga de valor emocional às memórias de algo que já experimentamos ou fomos ensinados.
A forma mais rudimentar de memórias associativas é a interpretação por meio de punições e recompensas, sendo uma capacidade que inúmeras outras espécies também detêm. Observe seu animal de estimação.
Porém, os cientistas apenas identificaram que a amígdala basolateral é a estrutura cerebral que associa estímulos no ambiente a resultados positivos ou negativos. Faltava compreender como isso ocorre.
A dopamina, um neurotransmissor conhecido por ser importante no aprendizado de recompensas e punições, parecia ser a resposta, mas os estudos revelaram que não tem a função de atribuir à memória um valor positivo ou negativo.
O passo seguinte das pesquisas levou à investigação dos neuropeptídeos, pequenas proteínas multifuncionais que podem fortalecer as conexões entre os neurônios. Assim, a equipe do Salk Institute descobriu que um conjunto de neurônios da amígdala basolateral tinha mais receptores para neurotensina.
Novos tratamentos
Para os cientistas, ainda é cedo para afirmar que será possível produzir tratamentos farmacêuticos que envolvam as descobertas sobre a neurotensina e os neurônios talâmicos. Em tese, também segundo os pesquisadores, há chances de encontrar meios para corrigir a atribuição de valor dada às nossas memórias com a finalidade de tratar disfunções nessa área.
Quanto a isso, há dois campos distintos: pessoas com falhas nessa função a ponto de quase ou nunca sentirem medo e indivíduos com excesso de valoração negativa das memórias ou medrosos em excesso.
No primeiro caso, o desafio é levar a neurotensina carregada por um medicamento para o lugar certo do cérebro e na quantidade adequada. Quanto aos pacientes com excesso de traumas, não está claro se drogas terapêuticas direcionadas à neurotensina poderiam alterar o valor emocional de uma memória já formada.
A boa notícia é que, além da neurotensina, há outros neuropeptídeos no cérebro que são alvos potenciais para intervenções e novas pesquisas.
Vamos torcer! Vidas poderão ser salvas e melhoradas com avanços nessa área.