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Envelhecer é inevitável. Envelhecer bem, com autonomia e domínio das funções cognitivas depende em boa parte dos hábitos que se pratica ao longo dos anos —é o que a ciência cada vez mais defende. Assim como ocorre com outros órgãos do corpo (pele, ossos e olhos, por exemplo), o cérebro começa a envelhecer por volta dos 30 anos. Lapsos de memória (tipo esquecer nomes, palavras que estavam na ponta da língua ou onde deixou objetos), raciocínio mais lento e dificuldade no processamento de informações tornam-se mais comuns por volta dos 60 anos, e não precisam ser motivo de preocupação se não chegam a atrapalhar a rotina ou impedir atividades. São perdas cognitivas previstas à medida .

Fazer atividade física
Movimentar o corpo melhora a irrigação sanguínea e a oxigenação no cérebro, modula os níveis de neurotransmissores ligados ao humor e ao bem-estar, previne doenças cardiovasculares e ajuda a controlar o estresse, fatores considerados de risco para o surgimento de demências. Treinar também estimula a formação de novos neurônios no hipocampo, região cerebral responsável pela memória e o aprendizado. Em uma revisão de artigos científicos publicada em 2019 no Current Sports Medicine Report, periódico oficial do American College of Sports Medicine, o sedentarismo é apontado como um dos principais fatores de risco para o Alzheimer. E manter uma rotina de atividade física deve fazer parte não só da prevenção como do tratamento da patologia, mesmo nos estágios mais avançados, com a vantagem de ter maior aderência e menos efeitos adversos em comparação com medicamentos, ainda de acordo com o trabalho. Mais do que indicar um tipo ideal de atividade para deixar o cérebro em forma, os especialistas defendem que regularidade e variedade de estímulos são a melhor combinação ? assim, trabalha-se várias capacidades físicas (coordenação, equilíbrio, força, agilidade…) e o desafio cognitivo é maior.

Frequentar a escola
Pessoas que passam mais anos estudando no início da vida têm menos risco de apresentar sintomas de declínio cognitivo na fase adulta ? foi o que demonstrou um estudo publicado na revista científica britânica Brain. O estímulo cognitivo ao longo dos anos em que o cérebro está em desenvolvimento (o que ocorre até mais ou menos 25 anos) é chave para criar e fortalecer conexões neuronais e construir uma espécie de ?poupança? de neurônios, capaz de tornar o cérebro mais tolerante aos efeitos da deterioração pelo envelhecimento e até ajudar na recuperação após uma doença cerebral, como um AVC. “Linguagem, atenção, pensamento crítico e outras competências cognitivas e socioemocionais trabalhadas na escola são fundamentais para manter a longevidade cerebral”, explica Adriana Fóz, neuropsicóloga e pesquisadora do Laboratório de Neurociências Clínicas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Quanto maior a variedade de disciplinas e aprendizados melhor para manter o cérebro em forma, o que não quer dizer que os pais devem sobrecarregar as crianças com atividades ? nesse caso, o risco é torná-las estressadas e sujeitas a distúrbios comportamentais.

Manter conexões sociais
Cultivar uma rede de relacionamentos sólidos e saudáveis tem efeito protetor da saúde física e mental, enquanto a solidão é potencialmente prejudicial –ela eleva o nível de inflamação e hormônios do estresse e aumenta o risco de doença cardíaca e demência, inclusive Alzheimer. Uma pesquisa realizada ao longo de 12 anos com adultos acima de 65 anos e publicada no International Journal of Geriatric Psychiatry demonstrou que as pessoas que relataram viver rotinas solitárias tiveram mais perdas cognitivas ao longo do tempo. Mas vale saber que essa solidão nociva não tem a ver com a imposta pelo isolamento social devido à pandemia que vivemos nem com a solidão voluntária; tão pouco é experimentada só pelos idosos. Ela surge quando há uma discrepância entre o nível de conexão social desejado e o que de fato existe e pode, ainda, estar ligada a depressão, que também contribui para o declínio cognitivo. A convivência social engaja áreas do cérebro responsáveis pela linguagem e comunicação, emoções e competências como resolução de conflitos e tomadas de decisão.

Aprender sempre
Para além dos anos de educação formal, é importante saber que o cérebro continua sendo moldado pelas nossas experiências até o fim da vida. E quanto maior a diversidade de estímulos, mais azeitados se tornam os processos cognitivos. Ou seja, não devemos nunca parar de aprender. Pode ser um idioma diferente, um instrumento musical, uma prática física, um hobby manual ou mesmo um jeito diferente de realizar tarefas cotidianas. “São características dos superidosos (grupo acima de 80 anos com desempenho em testes de memória comparável ao de pessoas até 20 mais jovens) a curiosidade e a disposição para se manterem física e mentalmente ativos”, fala a neurologista Letízia Borges, do Hospital Sírio-Libanês. Palavras cruzadas, quebra-cabeça, sudoku, jogos de cartas e outros ?treinos cerebrais? também contam, desde que sejam desafiadores e não permitam que o cérebro trabalhe no piloto automático, criando assim novas sinapses.

Relaxar mais
O cérebro precisa de um pouco de estresse para nos manter concentrados e motivados, é fato. Em excesso, porém, o cortisol (hormônio produzido quando o organismo é colocado em estado de alerta) provoca alterações químicas e estruturais em várias regiões cerebrais, levando à destruição de neurônios e dificultando a atividade no hipocampo, área responsável pela memória e uma das primeiras afetadas pela doença de Alzheimer. “Embora não exista uma relação direta entre estresse e demência, sabemos que o estresse crônico funciona como uma plataforma para que hábitos ruins se instalem, como tabagismo, abuso de álcool, sedentarismo, alimentação desequilibrada. São fatores que elevam o risco de doenças cardiovasculares e, consequentemente, de desencadear demências”, afirma Fabio Porto, neurologista comportamental do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).

Dormir bem
Neurocientistas da Universidade de Rochester (EUA) descobriram recentemente que o cérebro possui uma espécie de sistema de autolimpeza que é ativado durante o sono e ajuda a eliminar toxinas do sistema nervoso central –entre elas, as placas de beta-amiloide, proteína associada à doença de Alzheimer. A circulação glinfática (chamada assim pela semelhança com o sistema linfático e por referência às células de Glia, de suporte e nutrição dos neurônios) funciona como uma rede de canais que percorre todo o cérebro drenando resíduos, embora ainda esteja em estudo se o mecanismo tem função no tratamento de lesões e doenças cerebrais. “Quando há privação de sono, o sistema glinfático não consegue completar o trabalho de limpeza de toxinas”, fala Paulo Bertolucci, neurologista, coordenador do Núcleo de Envelhecimento Cerebral da Unifesp. Em quadros crônicos, esses subprodutos se acumulam e afetam o funcionamento do cérebro, o comportamento e as habilidades cognitivas.

Rotativo News/UOL
Foto: reprodução

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