Das 6 mil espécies de plantas que os humanos consumiram ao longo do tempo, nossa sociedade agora come diariamente apenas nove — das quais apenas três (arroz, trigo e milho) fornecem 50% de todas as calorias que ingerimos.
A nossa comida está em extinção, alerta o jornalista Dan Saladino, autor do livro Eating to Extinction: The World’s Rarest Foods and Why We Need to Save Them (“Comer até a extinção: os alimentos mais raros do mundo e por que precisamos salvá-los”, em tradução livre, sem edição no Brasil).
Pode reparar: no supermercado, ainda que a oferta possa parecer cada vez maior, há pouquíssima variedade de cada alimento, se pensarmos que muitas frutas e legumes possuem centenas de tipos. Quantas espécies de maçãs alguém pode comprar na quitanda da esquina?
Saladino diz que aprendemos a escolher entre “a” e “b” (às vezes também “c”) como se isso fosse algum poder de decisão. “Não é. Embora tenhamos uma ideia de abundância, geneticamente nossa alimentação está mais limitada do que nunca”, disse ele em uma palestra no congresso Diálogos de Cozinha, realizado em San Sebastián (Espanha) — um dos poucos eventos da gastronomia a colocar o dedo em algumas feridas importantes.
Há apenas duas espécies de grãos na qual a indústria se baseia para fazer dinheiro: Robusta e ArábicaImagem: iStock
Ele dá um exemplo: para o seu café de todas as manhãs, há apenas duas espécies de grãos na qual a indústria se baseia para fazer dinheiro e que é possível encontrar nas prateleiras e nas cafeterias: Robusta e Arábica.
A primeira é tida como “inferior” (ainda que produza bons cafés!) enquanto a segunda domina o mercado, com o marketing do “100% Arábica” nas embalagens das marcas gourmets.
Acontece que, com as mudanças climáticas e uma possível doença fúngica mortal, o nosso cafezinho como conhecemos pode estar com os dias contados. E pouco se tem feito (pelo menos em escala comercial) para garantir que não falte cafeína na nossa xícara no futuro.
Saladino chegou a uma variedade conhecida como stenophylla, que tem maior tolerância ao calor, maior resistência a certos patógenos fúngicos e ótimo sabor. Há apenas um problema: é incrivelmente raro e, até recentemente, os cientistas acreditavam que estava extinto, já que não estava sendo consumido.
Menos espécies disponíveis pode significar problemas bem sérios para a nossa alimentação a médio e longo prazo”, explica o jornalista, que é apresentador de um podcast sobre alimentação na BBC inglesa.none
Para entender como nossa alimentação se tornou tão restrita do ponto de vista da biodiversidade, Saladino visitou produtores, ativistas e cientistas da Bolívia ao Japão, da Tanzânia ao Cazaquistão.
Em suas viagens, ele contou sobre o botânico russo Nikolai Vavilov, que viajou todo o mundo em busca de espécies em perigo de extinção, e um cofre de sementes construído em Svalbard, no Ártico, que mantém um banco genético de milhares de espécies.
O Banco Mundial de Sementes de Svalbard está localizado no ÁrticoImagem: LISE ASERUD/Getty Images
Só de trigo, são mais 200 mil delas. Na produção mundial, as espécies cultivadas chegam a não mais de 10 tipos: não importa se você está na China ou no Brasil, todos comemos os grãos muito parecidos geneticamente.
Isso porque para a indústria alimentar foi mais fácil homogeneizar aquilo que comemos. Também é um reflexo de um melhoramento genético para permitir uma maior produção a fim de alimentar mais bocas de forma mais eficiente — ao menos para a agroindústria.
O problema é que muitas das espécies que desapareceram ou estão em vias de desaparecer já estavam mais prontas do ponto de vista de adaptação climática: pensamos em quantidade, e não prevíamos que as mudanças climáticas fossem capaz de mudar por completo as regras do jogo — e criar desafios muito sérios para o que vamos comer.
A genética melhorou a produção de milho, mas não abriu espaço para as espécies se adaptaram naturalmenteImagem: Reprodução/Instagram
Em pesquisas que o autor apresentou, falou de um tipo de milho que cresce na região de Sierra Mixe, em Oaxaca, no México, e que conheceu com a ajuda de pesquisadores.
Eram plantas de 5 metros de altura — localizada muito perto de onde o milho foi domesticado pela primeira vez — que tinham raízes aéreas que pingavam uma espécie de muco.
Parecia estranho, a princípio, algo como alguma doença rara das plantas. Mas em estudos os cientistas descobriram que, na verdade, o muco é resultado de uma interação entre açúcares e micróbios que alimenta a planta a partir do ar. Ou seja, modificamos geneticamente plantas sem considerar a capacidade que elas têm de evoluir e criar melhores condições para viver.
São milhares de espécies como esse milho raro que estão escondidos ou em vias de serem extintos do planeta em muito pouco tempo.
Os “Queveri”, grandes recipientes de barro feitos para fermentação de vinho, têm sido usados desde o século VI na GeórgiaImagem: Getty Images
Em suas pesquisas, Saladino também viajou para a Geórgia, país considerado o berço do vinho, e encontrou castas que quase desapareceram totalmente quando o país passou a fazer parte da União Soviética. Hoje, produtores tentam usar uvas como a Saperavi para resgatar a história do país.
No geral, o alerta do autor é para que passemos a considerar a biodiversidade como um caminho sustentável — e talvez, o único possível — para o nosso futuro como espécie.
“Todos os cientistas que conheço defendem que devemos lutar para recuperar a diversidade nos cultivos a nível global”, ele alerta. Eu tenho certeza que não queremos um mundo onde todos ouvem as mesmas músicas, vestem as mesmas marcas, veem a mesma série”.
“Com a comida é igual: queremos comer a mesma comida e que nossos agricultores, independente das condições e localidades que estejam, produzam alimento da mesma maneira?”, pergunta.
Informações UOL