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Candidato diz que nunca foi condenado, jamais fugiu e cita falha em tentativa de citação em ação extinta em 2022 sobre dano ao patrimônio público

Guilherme Boulos foi preso em 22 de janeiro de 2012 | Foto: Yuri Murakami/Estadão Conteúdo
Guilherme Boulos foi preso em 22 de janeiro de 2012 | Foto: Yuri Murakami/Estadão Conteúdo

O promotor João Carlos de Camargo Maia, do Ministério Público de São Paulo, expressou frustração ao reconhecer a prescrição de um processo contra Guilherme Boulos (Psol), hoje candidato à Prefeitura de São Paulo, por dano ao patrimônio público. A apuração é do jornal Folha de S.Paulo.

O documento, datado de 5 de outubro de 2022, marca o fim de uma ação que se estendeu por anos. 

“Melancolicamente se trabalhou pela confecção da Justiça, mas o criminoso conseguiu fugir por manobra jurídica, de modo muito semelhante a outro personagem mais famoso que pretende ser o mandatário maior”, escreveu o promotor. “Muito triste e lamentável esta constatação.”

Maia afirmou que a prescrição foi alcançada por meio de estratégias jurídicas sofisticadas, incluindo “alto investimento em escritórios, chicanas jurídicas, fuga de oficiais de Justiça, recursos mirabolantes, habeas corpus“.

Boulos, por outro lado, afirma que o caso revela a ineficiência da Justiça, na qual foi o mais prejudicado ao ser processado por anos sem conhecimento. “Guilherme Boulos nunca foi condenado a cumprir sentença e jamais fugiu da Justiça”, diz um trecho da resposta enviada à Folha pela campanha do candidato.

“No processo em questão, ele apenas foi notificado em 22 de abril de 2019, devido a uma sucessão de erros do promotor responsável, que indicou endereços incorretos para efetuar a intimação, sem verificar os documentos que já estavam juntados aos autos”, diz ainda a nota.

Prisão de Guilherme Boulos, ocorrida em 22 de janeiro de 2012, durante operação da polícia na reintegração de posse de um terreno, ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos | Foto: Raphael Tsavkko Garcia/Reprodução no Youtube
Prisão de Guilherme Boulos, ocorrida em 22 de janeiro de 2012, durante operação da polícia na reintegração de posse de um terreno, ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos | Foto: Raphael Tsavkko Garcia/Reprodução no Youtube

Entenda o processo

O processo teve origem na prisão de Boulos em 22 de janeiro de 2012, durante a reintegração de posse do terreno Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). 

Na ocasião, ele foi acusado de atirar pedras em uma viatura da Guarda Municipal e incitar famílias desalojadas a danificarem um ginásio de esportes onde ocorriam atendimentos oferecidos pelo município.

Boulos foi solto depois do pagamento de uma fiança de R$ 700 e negou em depoimento ter causado danos ou incentivado terceiros a fazê-lo. Ele alegou que foi agredido por guardas. 

A desocupação do Pinheirinho chegou à campanha do psolista na semana passada, com uma versão de Boulos sobre a participação dele no episódio. Em vídeo, ele diz ter ficado por um tempo na delegacia e que o processo foi extinto.

Isso de fato aconteceu, mas passou por um longo caminho.

Conforme processo ao qual a Folha teve acesso, a Promotoria denunciou Boulos em 27 de maio de 2013, ação aceita pela Justiça em junho do mesmo ano. Ele foi acusado de crime de dano qualificado ao patrimônio público, com pena máxima prevista de três anos de detenção.

Em 2 de setembro de 2012, a Justiça já havia mandado citar Boulos. No endereço fornecido por ele à polícia, em janeiro daquele ano, em Osasco, ninguém foi encontrado.

Ele foi acusado de crime de dano qualificado ao patrimônio público, com pena máxima prevista de três anos de detenção. No entanto, a Justiça encontrou dificuldades para citá-lo. Em setembro de 2012, uma tentativa de citação no endereço fornecido por Boulos em Osasco não teve sucesso.

Em 2014, o Ministério Público solicitou ao Centro de Apoio à Execução (Caex) ajuda para localizar Boulos. O órgão indicou um endereço na Rua Cayowaa, em Perdizes, zona oeste de São Paulo. Em outubro do mesmo ano, o oficial de Justiça registrou que foi ao endereço e deixou seu número de telefone, mas não obteve retorno.

A Promotoria solicitou, então, que a Justiça tentasse encontrar Boulos em alguma das unidades da Faculdade de Mauá. Entre fevereiro e março de 2015, os três endereços da instituição (São Paulo, São Bernardo do Campo e Mauá) foram visitados por oficiais de Justiça, mas Boulos não foi localizado.

Em razão disso, a Promotoria requereu citação do réu por edital (Diário Oficial) e suspensão de prazo de prescrição (oito anos). Em março de 2015, a Justiça determinou a publicação do edital. Em novembro, sem manifestação de Boulos, o processo foi suspenso, assim como o “curso da prescrição”.

A Promotoria continuou tentando. Solicitou a órgãos oficiais, como a Justiça Eleitoral, e quatro endereços foram citados ao longo do tempo: rua Cândido Espinheira (Perdizes), Cardeal Arcoverde (Pinheiros), Bernardo Joaquim Moraes (Taboão da Serra) e rua Dolores Coelho (Jardim Faria Lima).

Apenas em 22 de abril de 2019, cerca de seis anos depois da denúncia, Boulos foi encontrado.

No mês seguinte, segundo a Folha, a defesa dele argumentou que não havia no processo provas da participação no crime, que não houve individualização de conduta e que não havia comprovação da materialidade, afirmando que a perícia não confirmou os danos causados.

Também alegou falha na localização do réu e, por isso, não teriam sido esgotados todos os meios para localizá-lo, obrigando, assim, a anulação da citação por edital.

Como prova disso, os advogados de Boulos afirmaram que, nesse intervalo, ele chegou a ser processado e teria sido citado facilmente.

A publicação apurou ainda que, ao longo de sua atuação como uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Boulos já foi mencionado como “investigado” ou “indiciado” em ao menos oito inquéritos policiais.

Os casos estão relacionados a danos ao patrimônio público durante manifestações, esbulho possessório (invasão de propriedade) e resistência à prisão durante reintegração de posse. Não há registro de condenação.

Em junho de 2022, o Tribunal de Justiça concordou com o argumento de não esgotamento de meios para localizar o réu e mandou anular a citação por edital, o que mexeu no prazo de prescrição.

O promotor Maia respondeu assim à decisão: “Dificílimo qualificar o adjetivo para nomear o sentimento e a sensação que destes autos exalam”.

Procurado pela Folha, o promotor não quis se manifestar.

Com a anulação da citação por edital, a Justiça reconheceu a prescrição do caso. Em outubro de 2021, decidiu pela extinção de punibilidade. No mesmo mês, a defesa solicitou a devolução do dinheiro pago como fiança.

Em abril deste ano, a Justiça determinou o pagamento a Boulos de R$ 1.459,60.

O que diz a campanha de Boulos

A campanha de Boulos disse à Folha que o candidato foi até São José dos Campos, a 90 km da capital, para apoiar a população sem-teto “durante a maior e mais violenta reintegração de posse que se tem notícia no estado de São Paulo”.

“Ele não foi acusado de ser autor de qualquer dano patrimonial, mas de ser responsável por atos supostamente praticados por terceiros –o que nunca foi comprovado”, diz o comunicado. “O caso está arquivado. No mesmo episódio, Boulos sofreu diversas agressões que nunca foram apuradas pelas autoridades”.

A nota também diz que, ao longo desse período, o hoje candidato “se tornou uma pessoa pública de grande projeção, inclusive com colunas em veículos da imprensa, e nunca se negou a responder à Justiça”.

Informações TBN

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