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Embora soe estranho para um brasileiro, um dos pontos altos do Carnaval na Alemanha já foi esta quinta-feira (16).

Imagem: Oliver Berg/picture alliance

Especialmente na região da Renânia, e exatamente a partir das 11h11, milhares de foliões fantasiados festejaram em locais públicos e bares ao som de músicas carnavalescas.

Em 2023, Colônia, um dos bastiões da folia na Alemanha, celebra 200 anos de Carnaval organizado.

Uma pequena viagem no tempo

Em Colônia, aliás, estão algumas raízes dessa festa popular. Há 2 mil anos, quando a cidade era uma colônia romana e se chamava Colonia Claudia Ara Agrippinensium, era celebrado em todo o Império Romano o festival da Saturnália, em homenagem ao deus Saturno.

Havia muita bebida e dança e, para a diversão de todos, os ricos trocavam seus belos mantos pelas túnicas simples de seus escravos, e até os serviam. Os servos estavam autorizados a criticar duramente seus senhores, o que resultava em punições severas nos dias seguintes. Mas nos dias de folia, o mundo estava de cabeça para baixo.

Havia inclusive uma procissão cujo nome em latim era Carrus Navalis (carro que vem do mar) — expressão que soa muito parecido com “carnaval”. A população de Colônia se fantasiava e acompanhava com tambores, flautas e chocalhos o carrinho magnificamente decorado.

Assim, em 1907, se imaginava que fosse festejada a SaturnáliaImagem: akg-images/picture alliance

Enquanto no Império Romano a Saturnália geralmente caía em dezembro, os alemães celebravam um festival selvagem na primavera. Eles usavam máscaras aterrorizantes e faziam barulho com tambores e sinos para afugentar os demônios do inverno. Essa é uma outra raiz do Carnaval, cultivada ainda hoje no sul da Alemanha.

Historicamente, várias festas e ritos da Antiguidade podem ter influenciado o Carnaval. Sua associação com orgias pode ser relacionada às festas de origem greco-romana, como os bacanais ou festas dionisíacas, que se distinguiam pela bebedeira desenfreada e a total entrega aos prazeres da carne.

Como o Carnaval se tornou festa da Igreja

Quando o imperador romano Constantino fez do cristianismo a religião do Estado, no ano 343, as Saturnálias acabaram. E as ações pagãs dos alemães também passaram a ser uma pedra no sapato da Igreja. Mas, como não se queria proibir o povo de celebrar, a festa foi reinterpretada: não se tratava mais de afastar os maus espíritos, mas do Diabo, o pior inimigo do cristianismo.

Máscaras típicas do Carnaval da SuábiaImagem: Heiner Heine/imageBROKER/picture alliance

A data foi subordinada à liturgia do ano eclesiástico. Entre a Quarta-Feira de Cinzas e o Sábado Santo, os fiéis deveriam comer menos e rezar mais. Assim, antes dos 40 dias de jejum que precedem a Páscoa, era permitido celebrar a carne vale (em latim: “despedida da carne”).

O Carnaval se estabeleceu assim como uma festa da Igreja, que prevaleceu principalmente nas áreas católicas. E não apenas na Europa: os colonizadores da Espanha e de Portugal também levaram seu Carnaval para o Caribe e a América Central e do Sul.

No Brasil, uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, uma brincadeira bastante rude, de origem portuguesa, praticada na colônia pelos escravos. Até ser proibido, em 1841, os foliões saíam às ruas se sujando mutuamente com lama e urina, por exemplo.

Papa montado em burro

Embora o Carnaval tivesse passado à supervisão da Igreja, os padres e bispos continuaram a ver os festejos desenfreados com desconfiança. Mas até toleraram as paródias dos rituais da Igreja, inclusive elegendo um “Papa Tolo” que entrava na igreja montado em um burro.

Só que não apenas a Igreja, mas também a burguesia de Colônia determinava como seria celebrada a festa carnavalesca, na qual jovens aprendizes interpretavam canções satíricas nas praças públicas e em frente a pousadas, enquanto malabaristas e comediantes perambulavam pelas ruas.

Todo ano a elite renana tinha seu baile de máscaras, como mostra o quadro de 1754Imagem: akg-images/picture alliance

A classe alta, por outro lado, comemorava à sua maneira: o príncipe-eleitor de Colônia Clemens August (1700-1761), por exemplo, organizava todos os anos um estupendo baile de máscaras para os senhores da Igreja e a alta sociedade.

Quando as tropas de Napoleão ocuparam a região onde fica Colônia, viram as festas de Carnaval com certo ceticismo e temporariamente proibiram os festejos. Tarefa nada fácil, pois os foliões já não festejavam nas ruas, mas nas hospedarias.

Em 1815, foram os prussianos a ocupar Colônia, e a cidade voltou ao domínio alemão. Os ocupantes permitiram as folias, que, segundo testemunhas da época, tornaram-se cada vez mais desbragadas: “A devassidão desenfreada e a grosseria se espalharam. Cometia-se muito desatino sob a máscara da folia, e muitas máscaras eram imorais e desrespeitosas.”

A festa passa a ser organizada

Para certos colonianos influentes, a coisa passara dos limite: em 1823, fundaram um comitê coordenador, organizaram um desfile e criaram o personagem “Herói Carnaval”. Com seu “caráter nobre”, ele deveria acabar com os abusos. Mais tarde, seria rebatizado “Príncipe do Carnaval de Colônia”.

Carnaval é para muitos oportunidade de celebrar amizadesImagem: Christoph Reichwein/dpa/picture alliance

Desde 1883, ele tem a seu lado a “Virgem de Colônia”, que simboliza a liberdade da cidade. Ela é tradicionalmente retratada por um homem, já que os clubes carnavalescos eram ? e muitas vezes ainda são ? sociedades puramente masculinas.

O chamado “triunvirato” que reina sobre os foliões em Colônia e completado pela figura do Camponês. Em outros lugares de tradição carnavalesca da Alemanha, os dias da folia são regidos pelo príncipe e sua princesa. Mas uma coisa os une a todos: eles abrem a temporada de Carnaval na Alemanha em 11 de novembro, ou seja, 11/11. Neste dia, às 11h11, é dado início à temporada de Carnaval na Alemanha, que só se encerra na Quarta-feira de Cinzas.

A magia do número 11

A data não redonda é um “número maluco” (Narrenzahl), como se diria na Idade Média. Na época, o 11 de novembro, dia de São Martinho, marcava o início de um período de jejum até o Natal, antes do qual a população ainda queria festejar. Além disso, o 11 representaria a igualdade de todos os foliões: dois simples números 1, um ao lado do outro, ambos com o mesmo valor.

Por último, mas não menos importante, há uma interpretação cristã: o 11 é um a mais do que os dez dedos das mãos, mas um a menos que o número de apóstolos. Portanto nem meio nem cheio ? com um toque de pecaminosidade.

Dada a partida para o Carnaval na Alemanha

O dia delas - Oliver Berg/dpa/picture alliance

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O dia delas

Na Alemanha, no primeiro dia dos festejos de Carnaval quem manda são elas. Na região do Reno, na “Quinta-Feira das Mulheres” (Weiberfastnacht), elas r… maisOliver Berg/dpa/picture alliance 

Abertura oficial já em novembro - Sebastian Gollnow/dpa/picture alliance

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Abertura oficial em novembro

Apesar de a partida para a maior expressão do Carnaval ser dada na quinta-feira, a abertura oficial da assim chamada de “quinta estação do ano” transcorre muito antes, no 11 de novembro do ano anterior, às 11h11. Nas cidades ribeirinhas do Reno, o período de festas é regado a cerveja desde o primeiro dia. Na foto, os Schwellköpp, os tradicionais “cabeções” do Carnaval de Mainz.Sebastian Gollnow/dpa/picture alliance 

Beijinhos por todo lado - picture alliance/dpa/O. Berg

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Beijinhos por todo lado

Para os renanos não há Carnaval sem “bützchen”. Na Quinta-Feira das Mulheres, elas distribuem beijinhos nas bochechas, ou mesmo na boca, de quem quiserem, até mesmo de policiais. Trata-se de uma expressão de alegria que não deve ser confundida com provocação sexual. Aliás, há ameaça de castração simbólica: homens de gravata correm o risco de tê-la cortada pelas foliãs e levada como troféu.picture alliance/dpa/O. Berg 

Carnaval no frio - Federico Gambarini/dpa/picture alliance

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Carnaval no frio

Cor e criatividade nas fantasias e adereços também são marcas dos festejos alemães durante todo o período. Apesar de o Carnaval transcorrer no inverno, as temperaturas baixas não espantam os foliões da festa ao ar livre, e grupos de amigos de todas as idades se divertem combinando as fantasias para celebrar em conjunto.Federico Gambarini/dpa/picture alliance 

Dialetos próprios - Rolf Vennenbernd/dpa/picture alliance

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Dialetos próprios

Apesar das semelhanças, os carnavais de cada cidade ou região têm suas peculiaridades. E não pega nada bem confundir os termos: “jecken” é o nome dado aos foliões de Colônia, cujo brado carnavalesco tradicional é “Kölle Alaaf”. Já em Düsseldorf, grita-se “Helau”. Desde “aleluia” até “abriu-se o inferno”, há várias explicações para a origem dessa exclamação.Rolf Vennenbernd/dpa/picture alliance 

A doçura do Carnaval - Christoph Hardt/Geisler-Fotopress/picture alliance

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A doçura do Carnaval

Nos desfiles, a diversão não está apenas em ver os carros alegóricos. Quando grita-se “Kamelle” (doces), balas, chocolates e outras guloseimas são jogados para os foliões. Não só as crianças, mas também os marmanjos disputam um brinde em meio à chuva de doces. Os carnavalescos jogam também ramalhetes de flores ou outros artigos cosméticos ou de uso diário. Christoph Hardt/Geisler-Fotopress/picture alliance 

Muito além dos adereços - Geisler-Fotopress/picture alliance/C. Hardt

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Muito além dos adereços

Além das fantasias, outra parte essencial do Carnaval renano é a música. Para acompanhar os grupos de músicos nas ruas, os foliões devem, como manda a tradição, conhecer pelo menos as letras das “clássicas”, e cantar e dançar juntos. Uma das formas de se divertir é balançando-se juntos de um lado para o outro, de braços dados, no assim chamado “schunkeln”.Geisler-Fotopress/picture alliance/C. Hardt 

Alfinetadas políticas - Frank Rumpenhorst/dpa/picture alliance

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Alfinetadas políticas

Outra tradição do Carnaval da Renânia são as sátiras políticas que ganham forma nos carros alegóricos que desfilam na Segunda-Feira das Rosas (Rosenmontag). Com bom humor e criatividade, os carnavalescos não poupam críticas a líderes internacionais e outras figuras públicas.Frank Rumpenhorst/dpa/picture alliance 

Fim com fogo na Quarta-Feira de Cinzas - picture alliance/dpa/F. Gambarini

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Fogo na Quarta-Feira de Cinzas

A tradição em Düsseldorf exige que o bobo da corte Hoppeditz seja enterrado em lágrimas e lamentos. No ritual referido como “funeral”, ele é simbolicamente queimado como boneco de papelão. Já em Colônia, ateia-se fogo à figura de palha Nubbel, que deve expiar os pecados cometidos durante o Carnaval. A Quarta-Feira de Cinzas marca o fim dos dias de folia e o início da Quaresma.picture alliance/dpa/F. Gambarini

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