O país viu dobrar a taxa de analfabetismo entre as crianças de 7 a 9 anos nos últimos anos. É o que aponta o relatório Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
No período de 2019 a 2022, o percentual de crianças de 7 anos que não sabem ler nem escrever saltou de 20% para 40%. De 8 anos, mais que dobrou (de 8,5% para 20,8%). Por fim, o mesmo para as de 9 anos: de 4,4% para 9,5%.
O bordão pandêmico “saúde agora, a economia a gente vê depois” também cabia a várias outras áreas essenciais. Para a educação, ao que tudo indica, o “depois” chegou.
Isso porque o recorte vai do último ano pré-pandêmico até o primeiro ano de um relativo “velho normal”. Santiago Varella, especialista do Unicef em políticas sociais, associa diretamente o retrocesso na alfabetização ao fechamento das escolas durante a pandemia.
“Essas crianças estavam no processo mais sensível, talvez, da vida educacional, que é a alfabetização”, pondera. “É preciso um esforço concentrado para que esse passivo da pandemia não se prolongue.”
O relatório apresenta relativos avanços. Desde 2016, cresce o percentual de crianças de 4 a 12 anos (completos) e de adolescentes de 12 a 18 anos (idem) com acesso à escola na idade correta: em 2022, eles somavam 93,8%.
Entre os demais, 2,9% estavam em situação de “privação extrema” e 3,4% de “privação intermediária”. Esses critérios se definem, respectivamente, quando “não há acesso” aos direitos e quando “há barreiras” para exercê-los.
No entanto, o relatório aponta que os bons números “podem ser resultado da aprovação automática na pandemia”. O Unicef alerta que isso exige “abordagens mais cautelosas e contextualizadas ao interpretar dados educacionais em tempos de crise”.
Em resumo: números aparentemente bons podem ter sido fruto de exceções, em determinado contexto (a pandemia, no caso). E ter sido resultado até de decisões políticas ruins (como a aprovação automática).
Como o nome do relatório diz, o Unicef mede a pobreza em suas várias dimensões, não apenas por aspectos de renda. Leva-se em conta o acesso das crianças e dos adolescentes a seis direitos básicos:
“A gente parte do princípio de que os direitos das crianças são prioritários e todos são igualmente importantes”, explica Varella. O relatório leva em consideração dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No quadro geral, o Brasil conseguiu diminuir a proporção de crianças e adolescentes que passam por alguma privação. Em 2016, ela era de 66,1%. No último ano antes da pandemia (2019), de 62,9%. Em 2022, continuou caindo, apresentando 60,3%.
Isso representa 31,9 milhões de crianças e adolescentes, de um total de 52,8 milhões no país. Apesar da bem-vinda redução, é “uma tendência de queda que a gente acha muito lenta ainda”, avisa Varella. Uma “despiora”, por assim dizer.
Revista Oeste, com informações da Agência Brasil.